Opinião

É possível construir uma carreira voltada para o impacto social?

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Em um determinado ponto de nossas vidas somos obrigados a definir o caminho que queremos trilhar profissionalmente. Esse momento de decisão pode vir mais cedo ou mais tarde, dependendo do contexto de cada um.

Muitos (talvez a maioria) sequer tem a opção de escolher uma carreira. As necessidades urgentes levam milhões de pessoas a buscar aquilo que pode proporcionar seu sustento de forma imediata. Dependendo de seu ponto de partida, o simples debate sobre qual carreira seguir pode ser considerado um privilégio.

A busca por um norte profissional que possa satisfazer os nossos anseios e conciliá-los com as nossas habilidades (que muitas vezes não sabemos exatamente quais são), não acontece de maneira linear, como muitas vezes somos levados a crer. Em alguns casos essa decisão sequer é individual e passa por forte influência da família.

Independente do contexto de cada um, é comum que uma parcela dos jovens desenvolva a necessidade de trilhar um caminho que faça sentido, não só no aspecto individual, mas também coletivo. Em um mundo com tantos problemas, há um forte apelo para que possamos contribuir para uma mudança positiva.

Como muitos desses jovens, eu cresci com essa vontade. Sempre carreguei comigo um inconformismo com as desigualdades ao redor, especialmente em um país como o Brasil. Ao aprofundar minha compreensão sobre os desafios da nossa sociedade e passar por experiências que me permitiram ver a vida de diferentes ângulos, a vontade de dedicar meus esforços para algo que pudesse contribuir para mudar essa realidade só cresceu.

Decidi então que iria trilhar um caminho profissional que me permitisse contribuir de alguma forma para um mundo melhor. Não sabia exatamente como ou com o que gostaria de trabalhar, mas definitivamente não me via dentro de uma estrutura corporativa tradicional. Na época, meu pensamento era claro: se temos que trabalhar por grande parte de nossas vidas, que seja fazendo algo para o benefício de muitos.

Não é raro escutar que essa necessidade não passa de idealismo juvenil. De fato, é importante ficar atento para não cair em estereótipos pouco produtivos e nutrir expectativas irrealistas. O autoconhecimento é chave para seguir um caminho alinhado com aquilo que você pode oferecer de melhor. Uma dose de realismo também é fundamental para não semear futuras frustrações.

Com a clareza que só o tempo proporciona (apesar de ser um jovem de 36 anos, rs), hoje posso olhar para trás e ver alguns dos meus acertos e erros em busca de uma carreira com propósito. Como muitos de nossos leitores querem trilhar (ou já estão trilhando) esse caminho, resolvi compartilhar algumas lições que aprendi (e continuo aprendendo) nessa trajetória.

Identifique a sua aptidão e se abra para novas experiências.

Pode parecer obvio, mas identificar aquilo em que você é melhor não é uma tarefa fácil, principalmente na juventude, com pouca experiência profissional. Identificar assuntos, temas, causas que nos interessa pode ser uma boa pista para entender o que nos move. Observe que tipo de atividade desperta uma motivação espontânea.

Muitos profissionais de sucesso alcançam a excelência em suas atividades pois escolheram fazer o que gostam de verdade. Sim, isso não é possível para a maioria das pessoas. Depende do contexto e muitas vezes de uma pitada de sorte. É preciso tomar cuidado para não cair em uma armadilha mental e passar a vida toda tentando identificar aquilo que te motiva.

É importante estar aberto a novas experiências. Por meio delas é que vamos identificar se gostamos ou não de determinada atividade/função. Muitas vezes temos ideias preconcebidas sobre o que gostamos, mas quando vamos trabalhar com aquilo, percebemos que não é bem assim. O inverso também pode acontecer.

Sobre isso, recomenda a leitura desse artigo de Leandro Herrera na Época Negócios.

Engaje-se.

A juventude fornece muitas oportunidades para você se engajar em uma causa, participar de grupos de estudo, coletivos, fóruns, organizações, grêmios estudantis, etc. Para alguns jovens, participar desses ambientes pode parecer inócuo. É muito melhor aproveitar a vida, certo? Se tem uma coisa que me arrependo tremendamente dessa época é não ter participado mais ativamente dessas oportunidades. Esses espaços criam laços, conexões, geram contatos, oportunidades, além de treinar você para a vida e a lidar com diferentes personalidades.

O engajamento não é algo exclusivo dos jovens. Participar de redes temáticas, grupos de discussão, eventos e outras oportunidades que criam conexões é fundamental para o crescimento pessoal e profissional.

O 3º setor é apenas um dos caminhos para trabalhar com propósito. Faça a diferença onde estiver!

Quando decidimos trabalhar com propósito, muitos buscam o 3º setor como ponto de partida profissional. Faz sentido buscar uma organização social na qual você possa dedicar os seus esforços para promover a transformação que você deseja no mundo. De fato, esse é um dos caminhos possíveis. Mas não é o único.

Você pode fazer a diferença em qualquer função que exercer. É possível ser um agente de transformação em uma grande empresa, seja no âmbito pessoal, por meio de suas atitudes no trabalho, ou como você utiliza os recursos que estão a sua disposição. Você pode gerar grandes transformações em uma função pública, desenvolvendo políticas públicas de alto impacto social ou defendendo causas em que acredita. Seja um advogado, um jornalista, um artista, ou outra função qualquer, escolha o caminho que estiver mais alinhado com os seus objetivos, com suas aptidões, e faça a diferença onde estiver!

Há coisas positivas e negativas em qualquer trabalho.

Vamos dizer que você ponderou, pesquisou e decidiu por trilhar determinado caminho. Depois de muito tentar, você conseguiu o emprego dos sonhos em uma organização que faz um trabalho maravilhoso. Você inicia super motivado, dando o seu melhor, cheio de ideias. E aí o tempo vai passando… O trabalho cai na rotina e aparecem pequenos incômodos do dia-a-dia. Toda aquela sua motivação começa a se transformar em frustração e você começa a questionar se era isso mesmo que você queria.

Quando idealizamos muito uma carreira, uma posição de trabalho ou um propósito, temos a tendência de não pensar em como aquilo será na nossa rotina diária. Imaginamos um mundo colorido de união perfeita entre trabalho e propósito. Acontece que no mundo real não é assim. Qualquer trabalho que você escolher terá seus altos e baixos. Você vai encontrar lideranças boas e ruins. Vai trabalhar com pessoas legais e outras nem tanto.

Obviamente que os ambientes de trabalho são muito influenciados pela cultura organizacional. Se você trabalha em uma organização do terceiro setor que tem um proposito social, a tendência é que você encontrará tipos de pessoas e um ambiente diferente de uma empresa tradicional em que há uma cobrança desmedida por vendas, por exemplo. Mas isso não quer dizer que você não vai se deparar com um ambiente (ou um momento) tóxico em uma organização social.

Entenda o seu contexto e pense no lado financeiro.

Estamos em um mundo movido dinheiro. Isso quer dizer que os melhores salários estão nas funções que geram mais receitas para alguém (ou alguns). Nessa realidade, a remuneração média do terceiro setor é menor do que a do mercado em geral. Em uma pesquisa de 2012 da consultoria global de gestão de negócios Hay Group, enquanto um diretor do terceiro setor ganha, em média, R$ 13,8 mil, o mercado em geral paga R$ 26,6 mil a esses profissionais que ocupam cargos de diretoria. Apesar desse cenário estar mudando aos poucos, a lógica permanece.

Por mais que você tenha um estilo de vida desapegado de coisas materiais, esse é um fator que você precisa pensar a respeito ao considerar trilhar uma carreira voltada para o social. Pense no que isso representa para você e para os seus objetivos pessoais. Imagine que o seu contexto de vida muito provavelmente vai mudar com o passar do tempo. Analise o seu contexto familiar.

Isso não quer dizer que não é possível construir uma ótima vida trabalhando com propósito. Mas ter a consciência desse cenário é importante, inclusive para pensar em alternativas dentro do próprio setor de impacto social.

Foque nas suas qualidades

Em texto recente aqui no Impacta Nordeste, Raiana Lira deu algumas dicas importantes sobre o “foco necessário para gerar transformação”. Destaco um dos diversos trechos interessantes: “Muitos estudos da psicologia positiva indicam que indivíduos que focam em suas fortalezas, mais do que em suas fraquezas, melhoram suas performances em até 10 vezes. É a ciência dizendo que olhar o copo meio cheio nos leva a encher o copo mais rapidamente do que olhar o como como meio vazio. Não é otimismo, apenas, foco. A final tudo que você coloca sua atenção cresce.”

O artigo (recomendo muito essa leitura) pondera que o sistema vai tentar fazer com que você se encaixe no molde que ele criou. Mas ninguém se encaixa perfeitamente nesse molde. Ao invés de gastar tempo focando em como você pode se encaixar nele, foque naquilo que você tem de melhor. Mas é claro, não deixe de analisar aquilo que você pode realmente melhorar.

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