Opinião

Empreendedorismo da favela é como um rio digital

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É necessário investir em jovens empreendedores digitais. Para jovens conectados, o poder cultural está em usar as redes sociais para mudar a própria realidade.

Durante os três dias do Expo Favela, constatei que investir em negócios de impacto é como um rio: flui com a energia de milhares de pessoas que compartilham seus valores positivos colocados em uso por líderes empreendedores. Ali, vindos da favela, da periferia, do beco, da ruela, da quebrada.

Um rio fluindo pode, ao longo do tempo, mudar drasticamente as paisagens. Um rio que flui é uma força persistente e contínua. Mas ver um rio fluindo não faz ninguém avançar. É preciso estar nele e fazer parte dele.

É preciso vislumbrar o empreendedorismo de impacto gerando mudanças positivas nos territórios e na sua gente. Um ecossistema que reconhece, por exemplo, os empreendedores e jovens da favela como partes interessadas e parceiros ativos, onde o poder cultural, político e econômico é apoiado e ampliado para tornar os negócios mais responsáveis, mais equitativos, mais inclusivos e mais imaginativos para o benefício das partes interessadas atuais e futuras.

Nada melhor do que jovens conectados à internet. Tal conexão representa uma força poderosa, tanto como inclusão produtiva tecnológica quanto como um importante segmento de consumo. No entanto, seu poder ainda não foi suficientemente reconhecido e está muito distante de resultados mais equitativos. 

A desigualdade de acesso à internet não só reflete a disparidade socioeconômica do país como ajuda a reforçá-la.

A desigualdade de acesso à internet não só reflete a disparidade socioeconômica do país como ajuda a reforçá-la. Este é o alerta trazido pelo estudo “O abismo digital no Brasil”, realizado pela consultoria PwC em parceria com o Instituto Locomotiva, em 2021.

Há que se mudar isso. É preciso priorizar a compreensão das oportunidades de investimentos relacionados aos negócios digitais em torno dos quais os empreendedores estão se organizando. A construção de uma agenda de aprendizado de tecnologia responsável ajudará a desenvolver a compreensão de quais futuros de tecnologia os jovens desejam ver e o que os está impedindo. 

Se de fato queremos investir em empreendedores e negócios de impacto como líderes, construtores e fabricantes de soluções digitais, precisamos entender com o que eles se importam e o que os impede de perceber a mudança pela qual estão trabalhando.

A perspectiva inicial é reconhecer que a tecnologia tem um impacto diferencial sobre os humanos que dependem dela, independente de classe e status socioeconômico, raça, gênero, habilidade, identidade religiosa, idade ou geração. Como em tantas áreas – da economia ao ambiental, ao futuro do trabalho – a tecnologia tem tido impacto único sobre os negócios que amadurecem ao lado dela.

Os jovens da periferia estão numa posição única para serem líderes de negócios com uso da tecnologia e da cultura da internet, pois o mundo abalado pela pandemia clama uma ressignificação das relações coletivas com o digital, além de questionar os negócios tradicionais. 

A perspectiva de chegada é antever que esses jovens não são apenas nosso futuro e, em alguns casos, líderes de negócios digitais, mas os formuladores de um novo status quo de políticas que promovem o desenvolvimento mais humano. Herdarão os problemas de hoje e decretarão as soluções de amanhã. E em questões complexas, como política, economia, clima e justiça racial, muitos já demonstram uma tendência a exigir mais equidade, pertencimento e responsabilidade.

Para os jovens conectados, principalmente aqueles mais desiguais, o poder cultural geralmente está na capacidade e na tendência de usar plataformas digitais para mudar o viés das conversas. Os nativos digitais estão conscientes do complexo papel que a tecnologia desempenha em suas vidas cotidianas, refletindo, participando e moldando sua própria cultura da Internet.

O investimento estratégico e responsável em negócios digitais de periferia é a base para reconstruir territórios mais inclusivos.

Repetidamente, durante a pandemia, os empreendedores sociais, com ajuda dos jovens de seus territórios, usaram plataformas de mídia social para negociar seus pontos de vista e mobilizar ações sociais – desde a disseminação do aprendizado, criação de mutirões de distribuição de alimentos, captação de recursos até a formação do novos comportamentos de consumo.

O investimento estratégico e responsável em negócios digitais de periferia é a base para reconstruir territórios mais inclusivos. Nas palavras do idealizador da expo favela, Celso Athayde, favela não é carência, mas uma grande potência. No Brasil, as favelas produzem e consomem R$ 120 bilhões por ano. Sim, o empreendedorismo da favela é como um rio digital.

*Artigo publicado orginalmente na Forbes Collab replicado com autorização do autor.

Haroldo Rodrigues Jr. É sócio fundador da investidora IN3. Criador do Instituto Internacional de Inovação de Fortaleza – I3FOR e o Centro de Pesquisa em Mobilidade Elétrica – CPqMEL. Ex-Diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Ex- Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Ceará – FUNCAP. Ex-Presidente da Agência Reguladora do Estado do Ceará – ARCE.