Com a missão de articular órgãos e entidades da administração pública federal, do setor privado e da sociedade civil, a ENIMPACTO trabalha para promover um ambiente favorável ao desenvolvimento de investimentos e negócios de impacto no país. Conversamos com o coordenador da Enimpacto, Lucas Ramalho Maciel, para saber mais sobre a atuação do órgão, os principais avanços e objetivos para 2022.
*Foto: Lucas Ramalho Maciel, Coordenador da Enimpacto (Divulgação)
Diante dos inúmeros desafios ambientais e sociais globais, o movimento dos investimentos e negócios de impacto tem ganhado força em diversos países. Apesar dos avanços recentes e do aumento no volume de recursos investidos nessas iniciativas, o setor ainda se encontra em um estágio incipiente em todo o mundo. Trata-se de um setor complexo que envolve diversos atores e organizações e que está constantemente em processo de experimentação e aprendizado, visando o desenvolvimento de uma modelo econômico mais sustentável em todos os aspectos.
Nesse cenário, o Brasil é um dos países pioneiros. O Decreto nº 9.244, de 17 de dezembro de 2017, uma das primeiras legislações sobre o tema, estabeleceu o entendimento sobre o que são Negócios, Investimentos de Impacto e Organizações Intermediárias. De acordo com o decreto, podemos defini-los assim:
- I – Negócios de Impacto – empreendimentos com o objetivo de gerar impacto socioambiental e resultado financeiro positivo de forma sustentável;
- II – Investimentos de Impacto – mobilização de capital público ou privado para negócios de impacto; e
- III – Organizações Intermediárias – instituições que facilitam, conectam e apoiam a conexão entre a oferta (investidores, doadores e gestores empreendedores) e a demanda de capital (negócios que geram impacto social).
Esse decreto também estabeleceu as bases da Enimpacto – Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto e criou o Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto. A Enimpacto é uma articulação de órgãos e entidades da administração pública federal, do setor privado e da sociedade civil com o objetivo de promover um ambiente favorável ao desenvolvimento de investimentos e negócios de impacto. O comitê tem a missão de propor, monitorar, avaliar e articular a implementação da estratégia.
De acordo com o coordenador da Enimpacto, Lucas Ramalho Maciel, a concretização da estratégia no Brasil deve ser entendida como parte de um movimento global, que envolve empreendedores e investidores no mundo inteiro que entenderam que a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços não podem estar dissociados dos impactos que geram na sociedade. Ou seja, a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto do Brasil é uma política pública com articulação público-privada, de abrangência nacional e gestão subnacional, com continuidade e projeção até 2027 que a torna pioneira na região.
“O setor de negócios de impacto é muito complexo, compreende diversos atores e organizações e se encontra em um estágio inicial em todo o mundo. O Brasil é um dos países pioneiros a possuir uma legislação sobre o tema. Porém, mesmo sendo ainda uma modalidade econômica nascente, os negócios e investimentos de impacto – entendidos como empreendimentos que têm como objetivo gerar, de forma sustentável, impacto socioambiental positivo e retorno financeiro ou econômico – se apresentam como um recurso de grande valor para a rápida e ampla expansão do tipo de economia necessário nessa conjuntura”, afirma Lucas Maciel.
O Impacta Nordeste conversou com o coordenador da Enimpacto, Lucas Ramalho Maciel, que também é assessor da Subsecretaria de Inovação e Transformação Digital do Ministério da Economia para a temática de Investimentos e Negócios de Impacto, sobre a atuação do órgão, suas conquistas e principais objetivos em 2022.
Impacta Nordeste: O que é a Enimpacto e como é sua atuação?
Lucas Ramalho Maciel: A estratégia da Enimpacto decorre do reconhecimento da urgência do enfrentamento dos problemas sociais e ambientais e da impossibilidade do Estado, por si só, ser capaz de dar respostas suficientes. Nesse sentido, os investimentos e negócios de impacto são conceituados como os mecanismos pelos quais o setor privado e a sociedade civil podem se envolver na gestão de soluções.
A Enimpacto busca, então, promover um ambiente favorável ao desenvolvimento de empreendimentos capazes de gerar soluções de mercado para os problemas socioambientais brasileiros, por meio da articulação de diferentes órgãos governamentais com parceiros sociais como: entidades empresariais, fundações, organizações não governamentais, comunidade científica e tecnológica, ou seja, diversos atores relevantes que entendem a importância do Brasil avançar nessa questão.
A Estratégia está estruturada em torno de cinco grandes objetivos: (1) ampliação da oferta de capital para os negócios de impacto; (2) aumento da quantidade de negócios de impacto; (3) fortalecimento das organizações intermediárias; (4) promoção de um ambiente institucional e normativo favorável aos investimentos e aos negócios de impacto e (5) fortalecimento da geração de dados que proporcionem mais visibilidade aos investimentos e aos negócios de impacto. Esses objetivos são conceituados nos chamados eixos estratégicos, que definem as prioridades da Estratégia, ao mesmo tempo em que estruturam sua atuação em grupos de trabalho com objetivos específicos definidos, planos de ação claros e metas para até 2027.
Quais organizações integram o comitê?
Lucas Ramalho Maciel: O Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto é formado pelos seguintes órgãos e entidades: Ministério da Economia; Casa Civil da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Cidadania; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; Escola Nacional de Administração Pública (ENAP); Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Banco do Brasil; Caixa Econômica Federal; Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex-Brasil); Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae); Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE); Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec); Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ABVCAP); Banco Interamericano de Desenvolvimento (PNUD); Instituto Anjos do Brasil; Confederação Nacional da Indústria (CNI); Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto; Sistema B; e representantes de instituições de ensino superior.
A Enimpacto vem realizando um trabalho estratégico no fomento aos negócios de impacto no Brasil e na articulação de diversos atores para avançar com essa agenda no país. Quais são os principais avanços e conquistas da estratégia nacional até o momento?
Lucas Ramalho Maciel: No âmbito da Enimpacto, cinco grandes parcerias e entregas marcaram o ano de 2021. A primeira foi o Edital de Chamada Pública para Seleção de Fundos de Investimento em Participações (FIP) que sejam caracterizados como Fundo de Investimento de Impacto, ou seja, fundos que componham seu portfólio exclusivamente com negócios de impacto, totalizando pelo menos R$ 800 milhões a ser captado com um aporte de até 25% do banco. Trata-se de um volume expressivo de recursos, que contribui para o desenvolvimento nacional e para o crescimento das empresas que reduzem as desigualdades sociais e promovem a recuperação ambiental. Tais fundos constituem-se como importantes marcos do ecossistema de impacto brasileiro.
A segunda entrega envolve uma parceria entre o Banco do Nordeste, o Sebrae, o Ministério da Cidadania e a Enimpacto para a estruturação de um projeto de concessão de microcrédito aos beneficiários do Bolsa Família que se capacitarem em empreendedorismo de impacto. A iniciativa será avaliada e, caso positiva, será ampliada para um conjunto maior de beneficiários. Acreditamos que a união entre a capacitação empreendedora, a oferta do microcrédito e o Investimento de Impacto pode contribuir para reduzir as desigualdades sociais do Brasil.
A terceira parceria costurada pela Enimpacto envolveu uma articulação entre a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e a Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), ambas com assento na nova configuração do Comitê da Enimpacto. O objetivo é multiplicar e fortalecer a temática de empreendedorismo de impacto nas universidades, atores estratégicos para a ampliação do pipeline de novos empreendedores de impacto. Espera-se que essa iniciativa permita às instituições de ensino superior (IES) um maior acolhimento da agenda de investimentos e negócios de impacto em suas três dimensões: ensino, pesquisa e extensão.
Na quarta entrega temos a articulação da Rede Latino-Americana de Gestores Públicos de Impacto, uma ação em conjunto com o EUROsociAL que tem o intuito de formar uma comunidade prática de funcionários públicos que trabalham com a questão de investimentos e negócios de impacto. O objetivo é a construção de uma rede que atue como espaço de troca de boas práticas, experiências e informações e, que ao mesmo tempo, contribua para a implementação da agenda de Negócios e Investimentos de Impacto na América Latina, aumentando a visibilidade junto aos cidadãos e a conscientização sobre a importância de se ter políticas sobre o assunto.
Foram realizados dois encontros em 2021 que envolveram representantes do Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Peru e Uruguai. A expectativa é que em 2022 seja entregue um documento que sintetize os principais achados e recomendações do grupo para os secretários de cada país, de forma a avançarmos com a formalização de ações que resultem em um ecossistema de impacto mais robusto na região.
Recentemente a ENIMPACTO promoveu um ciclo de escutas e co-construção com diversos dinamizadores, empreendedores e organizações que atuam no setor para avançar com a construção do SIMPACTO. O que seria o SIMPACTO? Quais foram os avanços obtidos nesse processo de co-construção?
Lucas Ramalho Maciel: Os resultados da Enimpacto inspiraram governos estaduais a criarem suas respectivas Estratégias Estaduais de Investimentos e Negócios de Impacto, como é o caso dos estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Alagoas, Ceará, Pernambuco e Paraíba. Além disso, São Paulo e Goiás estão com iniciativas semelhantes tramitando nas respectivas Assembleias Legislativas, criando as bases do que pode vir a se tornar um sistema nacional ou uma rede ainda mais potente do ecossistema.
A estruturação das bases do Sistema Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (SIMPACTO) seria a quinta entrega de 2021. Os estados que possuem estratégias de investimento e negócios de impacto instituídas irão se unir para criar uma estrutura maior, de mais impacto, articulada nos três níveis da federação. Será uma articulação do poder público nas esferas federal, estadual e municipal, que, em cooperação também com atores privados, vai promover a dinamização dos negócios e investimentos de impacto no Brasil.
A proposta de criação do SIMPACTO é um passo concreto e necessário para o fortalecimento e dinamização da economia brasileira e surge em um período em que convergem duas tendências que marcarão as próximas décadas, no Brasil e no mundo. Por um lado, a crescente percepção de que negócios e investimentos precisam ser reconfigurados, rumo a uma economia próspera e geradora de impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente. Por outro, a pandemia de Covid-19, que vem agravando históricas fragilidades da sociedade brasileira e traz a necessidade de urgente implementação de medidas capazes de revitalizar a economia e, simultaneamente, combater as carências, reduzir as desigualdades e criar oportunidades de renda, qualidade de vida e real desenvolvimento para o país e sua população.
No Brasil como todo o mundo, atores e instituições de diversificado perfil e grande relevância têm se manifestado nesse sentido, deixando evidente que esta não é uma percepção passageira, mas uma tendência real e já em implementação. Nesse contexto, têm sido reconhecido o essencial papel da cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, o primeiro promovendo as condições institucionais e macroeconômicas favoráveis ao desenvolvimento de tais atividades, e a segunda mobilizando recursos e capacidades criativas para o estabelecimento de atividades produtivas destinadas a satisfazer as necessidades e carências do país.
Quais são os planos da ENIMPACTO para 2022?
Lucas Ramalho Maciel: Para 2022, o projeto central é a finalização da proposta do Simpacto. Uma vez que todos os atores tenham se manifestado e opinado, trabalharemos para mobilizar os recursos políticos e institucionais necessários para a aprovação do Sistema Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto. Paralelo à construção do Simpacto, queremos fortalecer nossa atuação regional, no âmbito da América Latina. Percebemos que há muito potencial nessa agenda e há espaço e demonstração de interesse na realização de trocas de experiência e intercâmbios de melhores práticas. No entanto, o mais decisivo em 2022 é que se trata de um ano eleitoral.
Sobre este ponto, quando falamos de políticas públicas, há sempre um receio de descontinuidade dos trabalhos em eventuais mudanças de prioridades, corte de gastos ou mudanças de governo. Na sua visão, a ENIMPACTO corre esse risco? De que forma os atores envolvidos buscam mitigar esse risco?
Lucas Ramalho Maciel: A Enimpacto é uma política de Estado, que perpassa diferentes governos e que está prevista para existir até 2027. É importante que a Enimpacto siga com seu trabalho de fortalecimento institucional, conectando-se com demandas sociais e ambientais e ampliando a participação civil na sua condução. Acredito que nossos governantes deveriam prestar mais atenção para esse potencial, já que a atuação de empresas de impacto diminui a demanda por recursos públicos nas políticas sociais e ambientais.
Se mais empresas como a Moradigna, por exemplo, estivessem atuando no Brasil, menor seria a demanda por políticas de habitação, menor seria a pressão nos hospitais públicos e melhor seria o desempenho escolar de crianças na região. Se mais empresas como a SaveLivez estivessem atuando no Brasil, menos pessoas morreriam por falta de sangue nos bancos de sangue e menores seriam os custos com saúde. Se mais empresas como a Oliplanet estivessem atuando no Brasil, menores seriam os custos para limpar a nossa água.
A atuação de empresas de impacto é benéfica para o país, porque elas reduzem a pressão por políticas sociais, liberando recursos para aprimorar as próprias políticas públicas. Acredito que nos anos vindouros a Enimpacto conseguirá maior centralidade na articulação de políticas públicas.