Por Juliana Serafim
Há alguns dias, em plena segunda-feira à noite, ouço o barulho de alguém “embaralhando” dominós. Existe algo mais despretensioso do que jogar dominó em plena segunda-feira à noite?
Para jogar dominó, é necessário estar em grupo, disponível ao outro, observar pessoas, criar estratégias para vencer. Mas ouso dizer que em tempos “Pós-pandêmicos” não é o competir que uniu esse grupo.
Esse fato me fez despertar para a Era da indisponibilidade em que estamos vivendo, na qual parece não haver tempo nem espaço para os desejos ou os imprevistos que permeiam o Social do ESG.
Não há tempo pro outro, apenas para diagnósticos, que se moldam ou se perdem no timing na dimensão volátil da sociedade. E ao mesmo tempo em que tudo muda o tempo todo, algumas coisas parecem não mudar, como a desigualdade que se tornou o status quo de países como o Brasil.
“Pós pandemia”, me parece que vivemos a sociedade da indisponibilidade. Parece que ninguém tem tempo a perder. Todos ocupados demais. Estamos preenchendo nossos “slots” de agenda, como se estivéssemos encobrindo o que precisa emergir – inclusive no horário comercial.
(Fora do horário comercial), me pego refletindo sobre como podemos gerar soluções, inovação e construir novas propostas de valor compartilhado se nos falta disponibilidade para poesia, arte, saídas despretensiosas, escutas genuínas e conexões verdadeiras de segunda a sexta, das 8h às 17h?
Como pensar em práticas e estratégia de implementação se vivemos na sociedade indisponível ao outro? Acredito que pessoas precisam estar entre pessoas, sem agenda, apenas escuta. E sobre isso, vale a pena rememorar: quem precisa genuinamente do apoio do S não está do outro lado da tela e, dificilmente, você as encontrará pelas salas do zoom, meet, teams… nos encontros de 15, 30 minutos de alinhamento.
Em tempos de indisponibilidade, o cool é ser e estar disponível ao outro, seja na escuta, no abraço, no papo despretensioso na hora do café. Absolutamente ninguém precisa fechar um negócio todo dia. Mas, parece que estamos ávidos pra fazer a roda girar, com celeridade, sem perder o timing de absolutamente nada. Mas e o timing da gente? E o timing da gente pro outro?
Especialistas e estudiosos do ESG afirmam que o Social é uma das frentes mais difíceis de serem mensuradas. Ouso dizer que uma das razões disso são os tempos de indisponibilidade em que vivemos. Pois, como podemos criar estratégias e indicadores efetivos para estruturar ações do S sem estar em contato com a realidade?
Eu que concordo e defendo a avaliação de impacto por meio de metodologias também defendo a etnografia – que também é uma metodologia. E talvez esteja faltando etnografia no ESG. E assim segue mais um clichê: a gente precisa estar entre as pessoas, nos espaços, nos territórios, compartilhando as alegrias e as batalhas das pessoas que serão “afetadas” direta ou indiretamente pelas nossas iniciativas.
Finalizo meu texto, mas não minhas reflexões… sigo pensando sobre o tecido de solidariedade de quem fala sobre Meio Ambiente (E – Environmental), mas nunca serviu à natureza ou aos povos do campo e da floresta; de quem abraça o Social, mas não vivenciou as dores e as lutas contra as desigualdades ou sobre CEOs e Presidentes que apoiam a Governança, mas continuam a perpetuação de sistemas escravocratas, oligárquicos e canavieiros.
Defendo a ideia de que o significado do ESG é a criar de pontes entre diversos setores e pessoas. Porém, antes de construir tais pontes, precisamos subir nos muros.
Juliana Serafim é Gerente de Projetos de Impacto e Inovação Social (PMD Pro/PM4NGOs), Mestra em Linguística (UFPE), Especialista em Planejamento Estratégico, Monitoramento e Avaliação de Impacto Socioambiental. Entusiasta dos Negócios de Impacto e do ESG. Já atuou como consultora de organizações como a ONG The Nature Conservancy, da start-up Mete a Colher, do Núcleo de Gestão do Porto Digital. E em 2021, iniciou sua trajetória à frente da coordenação de projetos da CESAR School.