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Inovação no combate à Covid-19 no Nordeste: pesquisas e políticas públicas

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Esforço conjunto de pesquisadores, universidades e órgãos públicos do Nordeste busca inovar para ajudar no combate à Covid-19. Nesta série de duas reportagens, vamos conhecer mais sobre iniciativas desenvolvidas pela academia, governos e sociedade civil na região. (Foto: AFP)

Por Ana Paula Silva e Danielle Leite

A pandemia do coronavírus provocou inúmeros impactos na sociedade global e sem dúvida se tornou um dos momentos mais marcantes da história recente da humanidade. Impactos negativos incalculáveis com as quase 2,5 milhões de mortes provocadas pela doença. No entanto, apesar de este estar sendo um momento tão difícil para todos, também trouxe à tona a capacidade de inovação e de trabalho em conjunto por parte de milhares de profissionais para combater o coronavírus.

São diversas iniciativas que vão desde pesquisas científicas na busca de vacinas e remédios, a insumos hospitalares mais eficazes e mais baratos, e até plataforma de dados e gestão de vacinação. Muitas dessas iniciativas foram capitaneadas por pesquisadores e universidades nordestinas.

Uma das primeiras e notáveis iniciativas foi conquistada por um grupo de cientistas que realizaram o sequenciamento do genoma do coronavírus, em tempo recorde, apenas dois dias após o primeiro caso do novo coronavírus ter sido confirmado no país. Geralmente esse processo leva cerca de quinze dias. Uma das coordenadoras da equipe é uma biomédica baiana, Jaqueline Góes de Jesus, que faz pós-doutorado no Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade de São Paulo (USP).

A sequência do genoma viral do coronavírus recebeu o nome de SARS-CoV-2. Com o mapeamento é possível entender como ocorre a disseminação do vírus, suas mutações e, como resultado, no desenvolvimento de testes de diagnósticos e de vacinas. A descoberta foi feita em parceria com o Instituto Adolfo Lutz e a Universidade de Oxford.

Em novembro de 2020, a pesquisadora foi convidada a integrar uma equipe de pesquisadores da Organização das Nações Unidas (ONU). Batizada de #TeamHalo, a iniciativa visa apoiar a colaboração entre cientistas de todo o mundo na pesquisa de vacinas seguras e eficazes contra a covid-19. Para a cientista, a iniciativa favorece uma comunicação mais acessível e didática com o público e ajuda a combater a onda de desinformação que tem levado um número significativo de pessoas a desconfiar da eficácia das vacinas.

“Trazer informações para a população sobre o que temos feito em uma linguagem mais simples é uma forma de devolver à sociedade todo o investimento que tem sido feito ao longo dos anos. Eu criei um perfil no TikTok para começar a produzir conteúdos para o projeto e estou gostando bastante. Estou aprendendo a usar a ferramenta e descobrindo um mundo de possibilidades criativas”, disse Jaqueline Góes.

Rede Nordeste de Biotecnologia estuda o vírus

Entender o vírus causador da Covid-19 e apontar ações eficazes para diagnósticos, prognósticos e tratamento da doença baseadas em dados coletados nos estados do Nordeste estão entre os objetivos do projeto que está sendo desenvolvido por trinta pesquisadores.

Lucymara Fassarella, coordenadora do Renorbio (FOTO: Capes)

Capitaneado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Estadual do Ceará (UECE) e Federal de Alagoas (UFAL), o projeto conta com a aprovação no Programa de Combate a Epidemias da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e com o trabalho de diferentes laboratórios vinculados à Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio), além do desenvolvimento de quinze teses de doutorado durante a pesquisa.

Dividido em quatro eixos e com uma abordagem multidisciplinar, o estudo reúne dados genômicos, clínicos e moleculares que serão correlacionados entre as características do vírus, as respostas induzidas no hospedeiro e a influência de microrganismos, com parâmetros de evolução da doença.

O primeiro eixo fará um sequenciamento do genoma do vírus, a partir de amostra de pacientes diagnosticados com a Covid-19 nos estados do Nordeste. “Embora já existam relatos do sequenciamento deste genoma, questões relativas a taxas de mutação, evolução viral e cepas presentes em cada região ainda são escassos”, explica a coordenadora do Renorbio, Lucymara Fassarella. A cientista explicou que “a identificação de variantes em um maior número de amostras permitirá traçar rotas de disseminação e estabelecer taxa de mutação e modelos evolutivos para o vírus”.

O segundo eixo pretende identificar rotas metabólicas e genes que possam ser usados como marcadores para prognóstico e potenciais alvos terapêuticos, com o uso de dispositivos de bioinformática. O terceiro usará amostras de pacientes positivos e negativos, para determinar, por exemplo, a carga viral ambiental e parâmetros ecológicos. Por fim, a quarta linha vai aprimorar os métodos de diagnóstico e tratamento, utilizando diferentes abordagens, como testes e novas drogas.

Máscaras com biomaterial de exoesqueletos de crustáceos

Uma máscara cirúrgica biodegradável, com material capaz de reter o vírus da Covid-19 e matá-lo, esse foi o resultado da pesquisa dos profissionais do Laboratório de Avaliação e Desenvolvimento de Biomateriais do Nordeste (Certbio), da Universidade Federal de Campina Grande. A máscara é descartável, mas tem durabilidade segura de até 24 horas seguidas de uso.

Foto: Certbio – Universidade Federal de Campina Grande

A criação faz parte do projeto “Proteção no Combate à Covid-19: Inovação no Desenvolvimento de Máscara Cirúrgica” e foi uma das 18 propostas escolhidas pelo edital lançado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba, no início da pandemia. A iniciativa do Governo do Estado da Paraíba foi uma forma de apoiar a pesquisa científica e encontrar soluções para o problema.

No experimento foi aplicada uma substância chamada quitosana no material da máscara, que atua como bactericida, fungicida e como comprovaram os pesquisadores como virucida também.

A quitosana é um biomaterial obtido dos exoesqueletos (esqueleto externo) de crustáceos, insetos ou fungos. Na pesquisa da Certbio a matéria prima utilizada foi o camarão, crustáceo facilmente encontrado na costa nordestina. Com essa aplicação de quitosana, o custo final de cada máscara não passa de R$ 0,10.

Além da viabilidade econômica e da disponibilidade do produto na região, a quitosana é biodegradável, diferente da maioria dos materiais comumente usados em máscaras cirúrgicas. “Foram confeccionadas dez mil máscaras que foram destinadas a vários hospitais da Paraíba. A quitosana também foi aplicada no desenvolvimento de máscaras tipo N95, que estão na fase de testes clínicos, em colaboração com a Universidade de Brasília (UnB) e financiado pelo Ministério da Saúde. A previsão é confeccionar dez mil unidades destas máscaras também”, afirma o coordenador da pesquisa, professor Dr. Marcus Vinícius Lia Fook.

É preciso ficar claro que a máscara com quitosana não é capaz de evitar sozinha a transmissão da Covid-19 e é necessário manter todos os cuidados de higiene e distanciamento. No entanto, a máscara desenvolvida pelo Certbio auxilia na prevenção ao contágio, por não permitir que o vírus passe por ela. “No desenvolvimento da máscara se deu, basicamente, por meio da modificação da superfície de TNT,  incorporando o biopolímero quitosana, que apresenta importantes propriedades virucidas”, explica o professor.

A máscara funciona como um bloqueio físico com a quitosana, esse bloqueio passa a ser químico também. Sem a quitosana, o vírus bate na barreira física e retorna vivo para o ambiente. Se ele encontrar onde se fixar e tiver condições de sobreviver ali, poderá infectar alguém. Com o uso da quitosana o vírus é capturado por ela e não encontra condições de sobreviver, pois não encontra um ambiente propício para permanecer ativo.

Além das máscaras, o Certbio também desenvolveu a quitosana em gel que, assim como o álcool em gel, é virucida. A preparação higieniza as mãos com uma ação mais prolongada sem os aspectos negativos do álcool em gel, que resseca as mãos. Pelo contrário, ele protege e rejuvenesce as mãos. “Desenvolvemos com tecnologia nacional, um álcool, na forma de gel, também composto de quitosana, que tem sido utilizado nas dependências do nosso laboratório e foi disponibilizado para grupos de pesquisas e para os hospitais de nossa região”, informa o coordenador do Certbio/UFCG.

Ainda segundo Marcus Vinícius, o laboratório agiu em outras frentes durante a pandemia como: melhoramento de máscaras cirúrgicas de baixa qualidade recebidas por alguns hospitais da Paraíba; produção de protetores faciais, denominados de face shields disponibilizados para os hospitais e centros de pesquisas do estado; e uma atuação no desenvolvimento de filtros antivirais para sistemas de condicionadores de ar.

Capacete reduz em 60% internações em leitos de UTI

No Ceará, uma iniciativa que vem se destacando é o chamado capacete Elmo, que teve a pesquisa iniciada em abril de 2020, numa parceria entre o governo cearense e diversos parceiros e propiciou o desenvolvimento de um equipamento que pode salvar muitas vidas na pandemia.

Capacete Elmo. Foto: Daniel Araújo/ESP.

A ideia foi apresentada pelo superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará – ESP/CE, o pneumologista e especialista na área de ventilação mecânica, Marcelo Alcantara, numa reunião da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Funcap e se baseou numa experiência exitosa nos Estados Unidos do uso de um capacete para auxiliar a respiração em um quadro grave de insuficiência respiratória parecido com a Covid-19.

“Em mais da metade dos casos, o dispositivo americano prevenia a intubação. Começamos a trabalhar no projeto e em dez dias já fizemos o primeiro teste de conceito. No final de junho, o primeiro teste clínico foi realizado numa paciente do Hospital Estadual Leonardo da Vinci, da rede pública do Governo do Ceará, seguido de vários casos exitosos e tiveram como resultado a redução de 60% da necessidade de internações de pacientes em leitos de UTI. Obtivemos o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e em breve o equipamento estará sendo produzido em larga escala e utilizado em vários hospitais do país”, afirma Marcelo Alcantara.

O capacete pode fazer com que o paciente se recupere da insuficiência respiratória, sem a necessidade de internação em um leito de UTI e do uso de um ventilador mecânico. “O Elmo é indicado para casos de insuficiência respiratória por queda do oxigênio. Por exemplo, em quadros de pneumonia causada pela Covid-19, os pacientes têm uma queda de saturação e a oxigenação pode ficar abaixo de 90%. Essa redução é muito preocupante e, muitas vezes, o cateter de oxigênio de um hospital, uma enfermaria ou uma emergência, pode não ser o suficiente para restaurar a oxigenação de maneira segura. Nestes casos, é indicado o uso de pressão positiva que o Elmo oferece. A pressão positiva é a que fica dentro do capacete e está acima da pressão atmosférica”, explica o superintendente da ESP/CE.

O equipamento, que já está sendo utilizado em hospitais públicos e particulares de Fortaleza e interior do Ceará, apresenta muitos benefícios no seu uso como, poder ser acomodado ao pescoço do paciente e assim permitir a oferta de oxigênio a uma pressão definida ao redor da face, sem a necessidade de intubação. Dessa forma, a pessoa consegue respirar com auxílio da pressurização e da oferta de oxigênio. O sistema também possibilita a melhora na respiração e pode ser utilizado fora de leitos de UTI. O paciente pode, inclusive, alimentar-se durante o seu uso. O equipamento também pode ser desinfectado e reutilizado e possui um custo inferior aos dos respiradores mecânicos e maior segurança para os profissionais de saúde, já que, por ser vedado, não permite a proliferação de partículas de vírus.

A pesquisa dedicada ao capacete Elmo reúne diversos profissionais, entre médicos pneumologista e intensivista, fisioterapeutas, técnicos em usinagem e ferramentaria, design industrial e engenheiros nas áreas clínica, civil, mecânica e de produção.

O projeto do capacete Elmo foi desenvolvido pelo Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESP/CE) e Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), através do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai/Ceará), a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade de Fortaleza (Unifor), com o apoio do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH) e Esmaltec.

Plataforma do RN é primeira a se integrar ao Ministério da Saúde

O Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde/LAIS, do Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol-UFRN-Ebserh), é um grande parceiro do governo estadual no combate à pandemia. Através do laboratório foram desenvolvidos vários projetos que estão levando a um maior enfrentamento da pandemia, um deles é o RN Mais Vacina, uma ferramenta que está fazendo o monitoramento do processo de vacinação contra a Covid-19 em todo o território do Rio Grande do Norte.

O sistema pretende agilizar o processo e o controle da vacinação no Rio Grande do Norte e funciona com o autocadastramento de cada cidadão, e mesmo não sendo obrigatório, já conta com cidadãos cadastrados em todos os municípios do RN.

Coletiva de apresentação da plataforma RN Mais Vacina. Foto: LAIS

A ferramenta, elaborada de maneira inovadora, permite acompanhar o progresso da imunização em todo o Estado, através do rastreamento da vacina, desde a chegada das doses, passando pela distribuição aos municípios e às salas das Unidades Básicas de Saúde até o paciente. O sistema garante não só a transparência, como evita a perda da vacina ou seu extravio. De acordo com o coordenador do LAIS, professor Ricardo Valentim, é fundamental a participação de todos para que o processo de vacinação seja transparente e equânime. “Essa é uma ferramenta de justiça social, que vai dar transparência a todo o processo, diminuindo o extravio e desperdício das vacinas”, ressaltou.

De acordo com professor Ricardo Valentim, o RN Mais Vacina é composto por um mapa detalhado do RN, de apoio à logística e à gestão. Ele pontua que o sistema “vai garantir, também, que as pessoas que estão listadas na fila da prioridade serão vacinadas. Proporcionando, ainda, que o Estado tenha mais dados e informações para o planejamento das ações efetivas de promoção e prevenção da pandemia”.

A plataforma também é a primeira a estar totalmente integrada às plataformas do DATASUS e do Ministério da Saúde, tornando o Rio Grande do Norte como o primeiro estado brasileiro totalmente integrado ao sistema do Governo Federal. Essa interligação garante o repasse automático das informações de todo o processo de vacinação que está em andamento no Rio Grande do Norte para o governo federal, de forma ágil e transparente.

De acordo com o professor Ricardo Valentim, o processo de integração consolida o sistema potiguar. “O RN Mais Vacina vem se consolidando, e isso é resultado desta parceria entre o LAIS/UFRN, IFRN, a SESAP, o MPRN, as prefeituras municipais, mas também, com a participação fundamental da sociedade e da imprensa. Em todos os municípios do RN temos cidadãos cadastrados, isso mostra a participação popular neste processo de vacinação, algo muito singular do nosso estado”.

O RN Mais Vacina é resultado de uma parceria firmada pela administração estadual com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS). A parceria conta, também, com a participação do IFRN para o suporte técnico à população.

*Com informações do Capes, Agência Brasil e Lais/UFRN.