Muito se fala sobre inovação social, mas o que de fato seria?
1. Inovação Social é = a empreendedorismo social ou negócios de impacto? Não apenas.
Essas expressões de mercado são apenas parte do que abarca a inovação social. Só pra citar outros componentes que integram esse conceito: inovação pública (para temas socioambientais); formação de profissionais (ensino superior e formação continuada) em temas socioambientais; além de toda inovação e criatividade do campo da sociedade civil, potencialmente mais próxima da inovação social.
2. Afinal, o que é inovação social?
Há muitas definições disponíveis e não necessariamente todas convergem para a mesma direção, mas a que mais me agrada é esta: novas, inclusivas e colaborativas abordagens para enfrentar questões sociais e/ou ambientais.
3. Toda OSC é inovadora social por natureza?
Não necessariamente. O campo da sociedade civil é um berço de criatividade e de inovação, em especial em nossa região (América Latina, Brasil, periferias, áreas rurais, etc). Mas vale lembrar que há muitas OSCs que estão na contramão da ideia de inovação social, por vezes, há até OSCs que flertam com visões ultrapassadas, equivocadas e reacionárias de sociedade. Portanto, o fato de ser uma OSC não é sinônimo de ser de ‘inovação social’.
4. Pra ser inovadora (social) é preciso incorporar o uso de tecnologia?
Não necessariamente. Há muitos projetos de inovação social que não lançam mão da tecnologia (como sinônimo de digital). Um belo exemplo é o projeto de cisternas no semi-árido brasileiro (de captação de água de chuva), que é considerado um caso premiado de tecnologia social sem necessariamente usar grande aparato digital/informático.
5. A inovação social só ataca os efeitos dos problemas socioambientais
Na verdade é o oposto. A proposta da inovação social é justamente jogar luz nas causas dos problemas (aspectos estruturais) para daí sim traçar maneiras de atacá-las. Obviamente ela assume uma abordagem muito mais desafiadora e complexa, pois os problemas socioambientais têm causas variadas e o seu enfrentamento requer um arranjo bastante complexo, envolvendo potencialmente múltiplos setores, atores e abordagens.
6. Quer dizer então que atuar com inovação social só acontece em arranjos complexos?
Não. A inovação social se manifesta de muitas formas, e em contextos diversos. O ponto central é que ela nos provoca a sairmos das nossas bolhas e justamente buscar contruir pontes com diferentes setores e atores, os quais manejam diferentes abordagens e ferramentas. É neste cruzamento de atores/setores e nesta mistura de iniciativas/projetos que a inovação social encontra terreno para prosperar. O que ela traz de potente e bonito confere também um desafio importante para esse campo.
7. Se a inovação social está presente em áreas afins, ela não está presente em nenhum lugar ? Afinal, qual é seu ecossistema?
Ótimo ponto! Afinal, você já ouviu falar de ecossistemas de impacto, de redes de organizações da sociedade civil, de grupos de institutos e fundações, mas é pouco comum nos depararmos com a ideia de um ecossistema de inovação social. Esse é o lugar que esta agenda ocupa em nossa realidade (América Latina, Brasil); de um tema que vai ganhando relevância, mas que não encontra ainda o seu lugar, o seu ecossistema próprio. O tema acaba, portanto, presente de forma indireta nesses vários outros ecossistemas citados acima (dentre tantos outros).
8. Não ter seu lugar próprio não seria bom, dada a natureza da inovação social?
O desafio de não ter um lugar próprio passa pelo desafio de se construir um entendimento mútuo sobre o próprio tema, pois cada rede/ecossistema afim tende a enxergar a inovação social a partir das suas próprias lentes. No final do dia, cada um exerga apenas uma parte da inovação social e não fica a cargo de nenhum grupo buscar construir uma visão integrada e completa sobre o tema. Na prática o tema é de todos e de ninguém. Por isso, não ter um lugar próprio para a inovação social faz falta, embora ter um lugar próprio não signifique ausência de divergências e críticas, vide o caso da Portugal Inovação social.
9. Onde encontrar boas referências sobre o tema?
Além do Impacta Nordeste, há vários outros locais com elementos da inovação social: InovaSocial (https://inovasocial.com.br/ ), Impact Hub (https://impacthub.org.br/), Portugal Inovação Social https://inovacaosocial.portugal2020.pt/), SI Drive (https://www.si-drive.eu/), SIKE (https://sikeeuorg.wordpress.com/), ZSI – Áustria (https://www.zsi.at/en/home), Universidade Tec. Dortmund (Alemanha) https://www.web.sfs.tu-dortmund.de/cms/en/social_innovation/index.html, Social Innovation Canada (https://sicanada.org/), SIX (https://socialinnovationexchange.org/ ) dentre outros.
10. Então, quer dizer que nem toda inovação é social/ambiental?
Sim, verdade. Peguemos o caso do Uber como exemplo. Ele é uma inovação, não só em termos tecnológicos como também em modelo de operação e outros aspectos. A questão fundamental é se ele contribui para enfrentar causas do problema de mobilidade? Há sinais indicando o contrário, de que a plataforma contribuiu para aumentar a quantidade de transporte individual em cidades, complicando o trânsito. Além disso, a maneira como ela lida com os ‘motoristas parceiros’ tem sido alvo de duras críticas por contribuir para precarizar relações laborais. Esse exemplo evidencia, portanto, que nem toda inovação é social. Quando a iniciativa ou projeto de inovação não tem em sua essência enfrentar alguma questão social e/ou ambiental, ela não pode ser considerada como sendo uma inovação social.
Tentei ser o mais didático e objetivo possível aqui neste texto, lembrando que o assunto é complexo. Obviamente há muito mais a explorar e refletir sobre o tema, daí meu convite para os(as) leitores(as) conherem meu novo livro: “Inovação Social em tempos de soluções de mercado”, já disponível para compra online.
Nele, eu busco destrinchar esses e tantos outros tópicos relacionados ao assunto. Se gostou desse texto, te convido a se engajar mais no tema adquirindo um ou mais exemplares para ajudar esse empreendedor aqui que vos escreve a pagar os boletos da editora. Um cheiro! Até a próxima!
Fábio Deboni é Diretor do Programa CAL-PSE, pela Aliança pela Biodiversidade/CIAT e Membro do Conselho do FunBEA (Fundo Brasileiro de Educação Ambiental). É Engenheiro Agrônomo (não praticante) e mestre em recursos florestais pela ESALQ/USP. Foi gerente-executivo do Instituto Sabin de 2011 a 2020 e foi conselheiro do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas).
Tem participado ativamente do engajamento de institutos e fundações no campo de negócios de impacto . É entusiasta do tema ‘inovação social’, escritor de diversos artigos e está lançando seu quinto livro “Inovação Social em tempos de soluções de mercado” (previsão de lançamento – abril/22). Publica diariamente textos e artigos em seu blog: https://fabiodeboni.com.br/ e em seu Linkedin: www.linkedin.com/in/fabiodeboni