Opinião

“Nadismo” e boa gestão combinam?

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“Obrigue-se a não fazer nada. Deixe seus pensamentos assentarem. Às vezes nós precisamos ter paciência. Em vez de procurar, deixe que as coisas cheguem até você.”

“Se você quiser fazer algo criativo, algo original, não faça nada.”

Há tempos quero escrever sobre meu livro de cabeceira preferido – A Arte da Criatividade – de Rod Judkins, professor e crítico de arte inglês.

Foi lendo A Arte da Criatividade que me livrei da culpa de adotar o “nadismo” como parte da minha “boa prática de gestão”.

“Como assim?”, você deve estar se perguntando.

Se você é gestor(a) e empreendedor(a) social como eu, sabe que muitas vezes, a nossa vida pode ser solitária, que significa dizer que por longos e longos meses, às vezes anos, a gente vai se sobrecarregar e acumular funções, até o ponto de se tornar uma “máquina de cumprir tarefas”, com pouco ou nenhum tempo para descansar e cuidar de si mesmo, quem dirá para praticar “nadismos”. Ao ter essa perspectiva como ponto de partida, sua pergunta faz todo sentido.

Mas veja bem: depois de “encontrar” o professor Rod, que oferece um livro com bom número de evidências científicas e práticas, aceitei o nadismo na minha vida, sem mais julgamentos, e passei a observar como ele se anuncia, se comporta e quais efeitos pode causar na minha prática enquanto gestora. Claro que as coisas não são “cartesianas” desse jeito, pois nem sempre há uma linearidade.

Tentando exemplificar, enquanto evoluía com a leitura do livro, fui aprimorando meu olhar para o meu próprio processo criativo (que em muitos casos é inversamente proporcional a minha produtividade) – leia de novo. A partir desse entendimento, compreendi que o tipo de gestão que eu faço envolve uma boa dose de criatividade (o que pode explicar a minha incompatibilidade com ambientes que “podam” a criação e inventividade).

Nesse processo, que podemos chamar de “raqueamento”, descobri que meu processo criativo passa necessariamente por quatro fases, que apelidei de “alucinação”, “esgotamento”, “retomada” e “finalização ou abandono”:

  • Fase 1 – Alucinação: momento de profundo exagero, crio alucinadamente (nenhum nadismo);
  • Fase 2 – Esgotamento: período de “afastamento”. Maratono séries, faço outros tipos de leituras e durmo (total nadismo);
  • Fase 3 – Retomada: ocasião em que volto, aos poucos, a olhar para o que criei na primeira fase. Identifico também como um momento de refinamento (controle do nadismo);
  • Fase 4 – Finalização ou abandono: aqui pode coincidir com alguma “entrega” ou “mudança de rota”. Começo a acelerar para a “nova criação” (transição do “controle” para “nenhum nadismo”).

E aí, você se identifica com alguma dessas fases? Já pensou que aquela sua “vontade de fazer nada” pode ser uma parte fundamental sua? Decisiva para você desempenhar uma boa gestão?

Com certeza, cada indivíduo, na sua subjetividade, vai “funcionar” de maneira diferente. Quis compartilhar a minha experiência com você, porque ela pode te inspirar a começar o seu próprio “raqueamento” do processo criativo, que certamente vai te despertar questões de produtividade e gestão, ainda que criatividade, produtividade e gestão sejam coisas distintas, embora complementares.

Em resumo, praticar nadismo, para mim, é fundamental para minha atuação enquanto gestora. No meu caso, “nadismo” e boa gestão combinam, sim (os resultados falam por si!). Só consigo empregar uma boa gestão quando tenho “espaço” para o nadismo, e, para que isso funcione sem gerar “prejuízos” àqueles que trabalham comigo, está organizado dentro da minha agenda de trabalho.

Por último, para concluir, mais uma frase do prof. Rod: “Para pensar ou agir criativamente, você não pode seguir cronogramas. O mundo gira ao redor de agendas, mas rotinas criam comportamento rotineiro, e o comportamento rotineiro cria o pensamento rotineiro. Rotina não é organização. Organização é um arranjo bem-sucedido. Rotina é repetição burra.”.

Foto: Ameen Fahmy em Unsplash

Daiany França Saldanha é cearense, mulher negra, gestora de projetos sociais e empreendedora. É fundadora do Instituto Esporte Mais, gerente do projeto e rede Construindo o Futuro e mestranda do Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política da USP.