Opinião

O Esporte em Defesa da Vida

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Neste mês, aproveito meu espaço no Impacta Nordeste para compartilhar o Manifesto – poderoso – da REMS – Rede Esporte pela Mudança Social, da qual faço parte pelo Instituto Esporte Mais desde 2015. Vale a pena ler cada linha e conhecer nosso ativismo pelo “Esporte em Defesa da Vida”.

A REMS – Rede Esporte pela Mudança Social, fundada em 2007, acredita no esporte como elemento essencial para o desenvolvimento humano integral e pleno e que o trabalho em rede é uma estratégia fundamental para garantir o direito às Atividades Físicas e Esportivas – AFEs preconizado em nossa Constituição no artigo 217.

Atualmente somos 150 organizações que estão presentes em 20 estados e em mais de 200 municípios brasileiros e impactam a vida de mais de 300 mil pessoas diretamente e alcançam cerca de 1 milhão de pessoas.

Democratizar o acesso ao esporte no Brasil, considerando os recortes de diversidade: gênero, étnico-racial, pessoa com deficiência, orientação sexual, condição social e geracional, entre outros, é nosso grande desafio, pois apesar dos nossos esforços, temos mais de 100 milhões de brasileiros e brasileiras insuficientemente ativos fisicamente.

Defendemos o movimento pela vida, que combate a inatividade física, que trabalha para a cultura de paz e promove educação, ética e cidadania, alinhados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Somos as grandes organizações atuantes no país e também as pequenas, nos becos e vielas, nas favelas e quadras da periferia. Estamos nas escolas, praças, presídios, ruas e campinhos de terra.

Lidamos com contextos de desigualdades e até mesmo miséria. A população vulnerável aqui tem espaço de reconhecimento e expressão por meio de organizações que acolhem e estendem as mãos. Mas em meio a tanta diversidade cultural, regional, esportiva e étnica, reconhecemos um quadro de abundância, onde encontramos forças para a ação conjunta, pois é nela que o setor do esporte para o desenvolvimento humano se fortalece, concentra energia e esforços para transformar as estruturas sociais, políticas, legislativas e econômicas.

A Pandemia da Covid-19 x a Pandemia da Inatividade Física

Independente das adversidades nas circunstâncias mais diversas, o alto índice de inatividade física ou baixo nível de movimentação corporal da população há tempos já é apontado como uma pandemia. Diante do quadro geral e da situação vivida em 2020, um desafio urgente nos é apresentado: como promover o esporte com a finalidade de combater esse déficit gigantesco que restringe o desenvolvimento humano de parcela considerável da sociedade brasileira, pelo fato das diferentes gerações não se apropriarem do hábito da prática esportiva e da atividade física? De um modo geral, tanto parte significativa da população, quanto os propositores de políticas públicas, não têm valorizado a cultura esportiva como um fator primordial no processo de desenvolvimento humano.

Vivemos num Estado Democrático de Direito, mas que na prática não se consubstancia em sua plenitude.

Promover o esporte, a atividade física e o lazer para todas as pessoas, na perspectiva de um desenvolvimento humano digno, passa sem dúvida por ampliar as plataformas – virtuais ou presenciais – de acesso. Mas também exige muitos outros esforços. Um deles seria como formatar todas essas práticas em linguagens apropriadas para os diferentes grupos sociais, conforme demandas e condições específicas. Implica em considerar o esporte como patrimônio humano e que, portanto, deve ser socializado, apropriado por todas as pessoas, não se restringindo à lógica dominante que aloca o acesso ao esporte e atividade física sob a propriedade de poucos.

Dentro do espectro amplo de desafios da sociedade brasileira, evidenciados ainda mais pela pandemia da Covid-19 e agravados pelo contexto geral de desigualdade profunda e crônica do país, a REMS, a partir de seus eixos de atuação se propôs a discutir e buscar soluções que fortalecem o esporte no Brasil e assim apresenta a partir do seu 24º Encontro Nacional, uma agenda de ações estratégicas que visam criar condições melhores para o esporte em defesa da vida:

EIXO 1: MOBILIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA UM BRASIL MAIS ATIVO E SAUDÁVEL

  • Desafiamos organizações, empresas e governos a se posicionarem conjuntamente no compromisso de reduzir a desigualdade social, considerando a democratização do acesso às atividades físicas e esportivas como um elemento essencial e estratégico. Lutamos para que o esporte e a atividade física sejam e estejam no rol de ações estratégicas e prioritárias no enfrentamento às crises humanitárias (moléstias contagiosas, catástrofes, insuficiência de recursos).
  • As organizações da sociedade civil devem ter como compromisso mobilizar e articular redes locais em seus territórios para a identificação de lideranças, de demandas sociais e para a construção de estratégias de diálogo com o poder público e os financiadores/doadores, qualificando a leitura das diferentes realidades sociais e potencializando o alcance das políticas públicas.
  • Trabalhamos para a criação e execução de projetos que agreguem diferentes conhecimentos e experiências da própria organização, de outras pessoas e instituições, ampliando o engajamento social, a capacidade de captação de recursos, negociação de valores, ações com financiadores e doadores.

EIXO 2: REPRESENTATIVIDADE E ADVOCACY EM DEFESA DO DIREITO ÀS ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTIVAS

  • Acreditamos que se faz urgente e necessário ampliar o debate em torno de um Plano Nacional de Esporte e de um Sistema Nacional Esportivo Brasileiro, que vá na direção da garantia do direito às atividades físicas esportivas expressado no artigo 217 da Constituição Federal, considerando cada fase de desenvolvimento da vida: infância, juventude, adulta e envelhecimento. Sobretudo, que sejam considerados os recortes de diversidade: gênero, étnico-racial, pessoa com deficiência, orientação sexual e condição social, entre outros, como princípio do marco legal, democratizando o acesso com qualidade, continuidade de oferta, abrangência territorial, com mecanismos de financiamento claros e definição de papéis dos entes federativos, estaduais, municipais e organizações não governamentais que atuam no setor.
  • Defendemos a construção de um Fundo Nacional Esportivo com o objetivo de fomentar políticas esportivas para toda a população brasileira, fazendo com que haja menos desigualdade de recursos entre os atores sociais promotores do esporte. Além disso, o fundo daria maior segurança financeira aos municípios e estados para expandirem o número de praticantes de atividade física esportiva.
  • Apoiamos a criação de Conferências Intersetoriais Nacionais da Sociedade Civil pelo Esporte, com periodicidade bianual, para que organizações possam compartilhar suas lutas, conquistas e debater pautas comuns de curto, médio e longo prazo, que impactem positivamente e acelerem o desenvolvimento da cadeia esportiva como um todo.
  • Trabalhamos para que a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) Federal nº 11.438/06 continue vigente para além de 2022, mantendo seu aprimoramento constante, evitando que se coloque em risco todos os avanços da consolidação do paradigma do esporte como um meio de inclusão social. A LIE permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos das diversas manifestações desportivas e paradesportivas distribuídos por todo o território nacional. Por meio de doações e patrocínios, os projetos executados via Lei de Incentivo ao Esporte atendem às manifestações educacional e de participação, além de garantir o suporte necessário para que os atletas e para-atletas possam representar o Brasil em competições nacionais e internacionais.

EIXO 3:  COMUNICAÇÃO DA CAUSA DO ESPORTE QUE PROMOVE MUDANÇA SOCIAL

  • Defendemos o esporte como direito acessível a todas as pessoas, em suas diferentes manifestações e linguagens, entendendo como necessário para o desenvolvimento humano, permitindo o empoderamento social e a potencialização de competências, habilidades e atitudes.
  • Necessitamos urgentemente de uma campanha Nacional que una esforços governamentais, empresariais e do terceiro setor e seja capaz de comunicar bem a causa do esporte, evidenciando os valores e benefícios da prática das atividades físicas e esportivas.
  • Entendemos a necessidade de maior investimento em projetos que permitam alocação de recursos em equipes e ferramentas de comunicação, potencializando a narrativa do esporte pela transformação social, ampliando o alcance de suas ações, bem como permitindo a adaptação de narrativa para diferentes públicos: beneficiários diretos e seus familiares, organizações de base comunitária, setor público, privado e organizações internacionais.

EIXO 4: INTEGRAÇÃO DO CONHECIMENTO PARA IMPACTAR POLÍTICAS PÚBLICAS QUE AMPLIEM O ACESSO

  • Necessitamos ampliar e qualificar a sistematização dos diversos conteúdos sobre esporte e atividade física em um Banco de Conhecimento em Rede por área temática e eixos. O intuito é contribuir com o diálogo amplo e a proposição de políticas públicas, o aperfeiçoamento de mecanismos de fomento ao esporte, o compartilhamento de metodologias e ações pedagógicas e a apropriação do conhecimento sobre esporte e atividade física com propósito de se alcançar autonomia na prática.
  • Precisamos promover o fomento e o diálogo permanente a respeito da gestão e inovação do conhecimento sobre esporte e atividade física por meio da proposição de “Fóruns Públicos sobre Gestão e Inovação do Conhecimento Esportivo”. Esses fóruns se constituem espaços para discutir diferentes formas de levar atividade física e esportiva para as pessoas, estimulando-as a se manterem ativas.
  • Defendemos o processo participativo para a criação de projetos de lei e dispositivos legais, garantindo a prática esportiva e da atividade física como importante fator de plenitude da vida humana. É necessário monitorar e exigir que estes mecanismos reafirmem a relevância das práticas esportivas e das atividades físicas em todos os momentos e circunstâncias de vida das pessoas.
  • Buscamos a consolidação de parcerias nos diferentes segmentos da sociedade (redes esportivas, ONGs de outras áreas, empresas e das três esferas públicas), para impulsionar soluções que atendam o desafio de partilhar de forma mais ágil e estratégica o conhecimento prático e teórico sobre esporte e atividade física.

EIXO 5:  SUSTENTABILIDADE PARA DEMOCRATIZAR A PRÁTICA DAS ATIVIDADES FÍSICAS ESPORTIVAS

  • Trabalhamos em rede para estimular a cultura da doação, conseguir mais recursos para o setor do Esporte pela Mudança Social e, assim, mobilizar financiadores e pessoas físicas em prol da doação direta e para criar alternativas que ampliem as possibilidades de sustentabilidade, como plataformas de venda de produtos, serviços e outros.
  • Buscamos o fortalecimento contínuo dos movimentos de Advocacy para (1) a implantação e ajustes nas Leis de Incentivo ao Esporte (federal, estaduais e municipais) que facilitem o acesso aos recursos, garantindo a sustentabilidade das organizações proponentes e (2) a formação de alianças políticas que permitam acompanhar os mecanismos de fomento ao esporte no Brasil, incentivados ou diretos.
  • Defendemos ações intersetoriais em áreas públicas, como, por exemplo, segurança pública, saúde, educação e assistência social, para ampliar as fontes de recursos disponíveis, alavancando, assim, diferentes mecanismos de desenvolvimento social.

Conclusão

Diante dos eixos apresentados que traçam objetivos, ideias e estratégias deste manifesto, a REMS torna pública sua posição e agenda em defesa do esporte brasileiro. Lutamos por mecanismos de fomento de condições sociais políticas e econômicas, que permitam o financiamento de ações, a criação e a manutenção de programas e projetos e o fortalecimento da formação profissional dos recursos humanos que atuam no segmento esportivo. Além disso, consideramos fundamental a manutenção de uma rede permanente de construção de conhecimentos integrados entre os setores públicos e privados, que permita a participação da sociedade e promova o esporte como ferramenta efetiva de transformação social.

*Foto: REMS (Site)

Daiany França Saldanha é cearense, mulher negra e gestora de projetos sociais e educacionais, com ênfase em colaboração e articulação de redes temáticas, gestão de voluntariado e formação de gestores e educadores. Fundadora e atual presidente do Instituto Esporte Mais e gerente do projeto Construindo O Futuro.