Opinião

Para quem geramos impacto social?

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Ontem recebi um convite à reflexão de um colega indiano a partir de um TEDx de Dan Pallotta em que ele fala:

 “Não chegamos à lua porque sonhamos / pensamos grande. Chegamos à lua porque nos comprometemos muito. Estabelecemos um prazo para isso e fizemos acontecer de alguma forma, apesar de não ter a tecnologia para isso! O que acontecerá se definirmos um prazo para acabar com a fome no mundo? O que acontecerá se definirmos um prazo para acabar com a pobreza global? PARA PARAR de usar combustíveis fósseis?”.

A pergunta que ele endereçou foi “Será que nós que nos chamamos transformadores sociais estamos levando as coisas muito de leve? Será que nos falta comprometer de maneira mais ambiciosa?”

E eu gostaria de compartilhar com vocês minha percepção (e aviso logo que talvez isso seja papo para mais de um post).

Tenho estudado com mais afinco a origem das desigualdades e um pouco sobre a influência das religiões no comportamento da sociedade e no desenvolvimento emocional da nossa espécie Human sapiens. E me parece que antes de se comprometerem, mais pessoas, principalmente os agentes de mudança (ou transformadores sociais), precisam estar cientes das causas raízes dos problemas que se propõe resolver.

Precisam se perguntar: para quem gero impacto social? E, depois de fazer essa imagem mental, pensar: por que ela está nessa condição? Por que essa condição existe? Por que…. Se alimentar das perguntas para chegar a um ponto que não queira somente oferecer um remédio a dor atual, mas comprometer-se a transformar o sistema que cria o “beneficiário” (palavra que eu abomino por perpetuar o estigma de pobreza moral em que uma pessoa que recebe tem menos importância de quem dá.. outro papo interessante).

Se essa pessoa que se propõe a gerar mudança conseguir, eu sugiro uma pergunta ainda mais importante: A final, queremos mudar o mundo ou alimentar nossa história heroica?

Passamos a vida ouvindo histórias heroicas, queremos ser um? Não há mal nisso. Na verdade é melhor dizer que a intenção não é ruim. Mas muito complexo esse posicionamento de salvador e pode gerar muitos problemas mais, por exemplo, a indústria de doações e turismo voluntário em orfanatos, e a “pornografia da pobreza” alimentada pela síndrome do “salvador branco” das pessoas que vão a países africanos com o desejo de ajudar e acabam causando mais problemas (Not white saviors é uma página que tem ótimas referências a isso).

Pessoalmente, acredito que se queremos mudar mesmo o mundo, precisamos além de resolver urgências lutar para resolver os mecanismos que geram a pobreza. E isso vai custar bastante ao indivíduo. Muitas vezes, ao invés de herói essa pessoa vai precisar perder sua identidade, certezas.  Parte, porque o comprometimento exige perdas pessoais (privilégios, conforto, opções, relações …). Então, estamos prontos? A jornada ao interior de si mesmo é, portanto, um aspecto-chave porque ajuda a desenvolver uma consciência superior em todas as dimensões.

A origem de todas as desigualdades que experimentamos hoje tem data histórica no século XIII: o questionamento se um indivíduo (diferente daquele que estava falando) era humano. Abriu-se a porta para discutir o que era humano e não humano. Criou-se um ponto de perspectiva e abriu-se a porta da dominação e tantas misérias. A instituição do racismo é onde reside a origem das misérias. Se você não conhece muito sobre o tema ainda, aconselho umas referências por onde começar abaixo.

Então, respondendo ao meu colega, sim, nos falta comprometimento com mais ambição, mas não por que estamos levando as coisas leves, mas por que estamos fazendo as perguntas erradas, navegando na superfície dos problemas. Precisamos incorporar outros vieses mentais, novos modelos sobre nós mesmos, necessidades reais e desconstrução de um sistema racista e artificial. Precisamos nos comprometer a retornar à nossa natureza em que a diferença de raça, gênero e origem não determina onde você vai o que pode fazer. E, para isso nos des-educar, ouvir mais, ser mais atores coletivos e ser menos heróis. Aqui você pode aprender sobre racismo estrutural e responsabilidade sobre a igualdade

Raiana Lira. Mulher preta e nordestina. Gerente de programas nacionais, latinoamericanos e internacionais no Amani Institute. Consultora de negócios para gestão centrada na pessoa e impacto social positivo. Educadora e facilitadora de processos para que pessoas possam resolver problemas de maneira inovadora, através do desenvolvimento de habilidades e descobrimento de suas potências. Cientista e professora universitária por 12 anos. Desde 2015 no campo do empreendedorismo com propósito para construir um mundo com mais justiça social e ambiental. Nas horas vagas poeta e aprendiz de várias artes. Acredito na potência do sonho e da vontade de transformar!