Laboratório Cirandar, da Casa Criatura, visa educar a comunidade local sobre economia circular e desenvolver soluções criativas para a despoluição dos corpos hídricos do estado de Pernambuco. O projeto conquistou o primeiro lugar na categoria social do concurso “Saneamento do Futuro: Rio Sem Plástico”, realizado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
*Com a colaboração de Júlia Araújo.
O Brasil é o quarto maior poluidor de resíduos plásticos do mundo, com apenas 1,3% do total sendo reciclado, enquanto 3,44 milhões de toneladas acabam nos rios e mares todos os anos, segundo a WWF e o Pacto Global da ONU. Os resíduos plásticos chegam aos oceanos por meio da drenagem urbana, esgoto, rios e córregos. Como possuem baixo índice de decomposição, fragmentam-se em partículas menores com o tempo, os chamados “microplásticos”.
Esses microplásticos se dispersam facilmente, tornando sua remoção cada vez mais difícil, além de contaminar a vida marinha e impactar a saúde humana, já que podem ser ingeridos pelo ar ou alimentos. As comunidades mais vulneráveis, sem acesso adequado ao saneamento básico, são especialmente afetadas, enfrentando riscos elevados de diversas doenças. Pesquisas recentes indicam a presença de microplásticos no leite materno, pulmões, placenta e até no sangue humano.
No Nordeste, apenas 57,7% dos municípios possuem coleta seletiva, abaixo da média nacional de 75,1%. Na cidade de Olinda (PE), o cenário não é diferente. O município enfrenta grandes desafios na gestão de resíduos sólidos urbanos. Com mais de 200 mil habitantes sem acesso à coleta de esgoto e poucas opções de coleta seletiva disponíveis, a cidade carece de um plano de saneamento municipal eficaz.
Foi nesse cenário que surgiu o Laboratório de Educação e Design Circular – Cirandar, projeto criado pela Casa Criatura, com a missão de educar sobre a economia circular e desenvolver uma solução inovadora para a poluição plástica nos corpos hídricos de Pernambuco.
Recentemente, a organização recebeu um significativo reconhecimento nacional pelo trabalho realizado no Laboratório Cirandar, conquistando em julho de 2024, o primeiro lugar na categoria social do concurso “Saneamento do Futuro: Rio Sem Plástico”, realizado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). No ano passado, a organização também trouxe para o estado o prêmio da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), de mesmo tema.
Economia circular como solução
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei Federal nº 12.305/2010) estabelece o gerenciamento adequado de resíduos sólidos no Brasil, prevendo multas para quem não cumprir a legislação. No entanto, anos após sua implementação, os municípios ainda enfrentam dificuldades para colocar a PNRS em prática, devido à pouca fiscalização, desafios na logística reversa e falta de disposição final adequada para muitos resíduos.
Nesse contexto, a economia circular surge como uma solução viável para o descarte inadequado. A economia circular busca regenerar objetos existentes, garantindo que sejam reinseridos na cadeia produtiva por meio do reuso, reciclagem, reaproveitamento e reparo. Essa abordagem contrasta com o modelo linear de produção atual, que resulta em um descarte massivo de resíduos.
Laboratório Cirandar
A Casa Criatura, organização situada no Sítio Histórico de Olinda (PE), se autodefine como um espaço de possibilidades criativas, que reúne pessoas e ideias para inovar com propósito no design, arquitetura e novas economias. Pensada para conectar pessoas que desejam empreender de forma inovadora e desenvolver ações com impactos positivos por meio da economia criativa, da cultura local, do empreendedorismo, da sustentabilidade, da tecnologia e da inovação.
Nesse ambiente que foi criado o Laboratório Cirandar. O projeto, cujo nome foi inspirado na tradicional dança de roda pernambucana, tem como missão educar sobre a economia circular e desenvolver uma solução inovadora para a poluição plástica nos corpos hídricos. Por meio da colaboração com catadores, instituições, empresas e comunidades escolares, o projeto utiliza o design circular para transformar resíduos em móveis utilitários e pontos de coleta.
O projeto é baseado em três pilares: (1) promover a participação ativa da comunidade na prototipação dos artefatos; (2) Fomento ao Design Circular e à Cultura de Código Aberto; e (3) integrar-se na Rede Educacional enquanto ponto focal para a promoção da preservação ambiental e da saúde dos corpos hídricos da cidade.
O laboratório foi dividido em duas etapas. A primeira relacionada à experimentação do resíduo plástico com a equipe do laboratório da Casa Criatura. A segunda, relacionada à etapa pedagógica, promovendo a integração de jovens de escola pública no laboratório de educação de design circular.
Para a sua implantação, a iniciativa contou com a parceria da Coocencipe, cooperativa de reciclagem responsável pela coleta e processamento de resíduos; a Escola Municipal de Olinda; a Rico Móveis, que apoiou com a sua equipe de marcenaria; a consultoria em design circular do arquiteto Cesar Araújo; a Ao Vento, que colaborou na comunicação; e a Holos, que desenvolveu a oficina de sensibilização.
No projeto-piloto, a Casa Criatura organizou Ciclos Educativos sobre preservação ambiental, sustentabilidade, economia circular e descarte adequado de resíduos. Os estudantes da Escola Municipal de Olinda, com idades entre 15 e 17 anos, visitaram a Cooperativa Coocencipe de reciclagem e participaram de oficinas de design e arquitetura, que resultaram na criação de protótipos para os plásticos coletados.
O material plástico coletado pelos catadores da Coocencipe, passou por trituração, derretimento e foi posteriormente transferido para as prensas, a fim de adquirir seus novos formatos, desenvolvidos pelos estudantes.
Como resultado, a fase piloto do Laboratório Cirandar transformou resíduos plásticos em mobiliários e outros utilitários, como mesas, bancos, cadeiras e lixeiras. O projeto impactou direta e indiretamente cerca de 400 pessoas, incluindo estudantes, familiares, colaboradores e membros da comunidade.
Perspectivas futuras
Ao conectar educação e ação comunitária, o Projeto Cirandar demonstrou ser um modelo promissor na luta contra a poluição e na promoção de uma economia regenerativa. Atualmente, o Cirandar consegue reciclar cerca de 100 kg de plástico por dia, totalizando aproximadamente 2 toneladas por mês.
Enquanto os novos Ciclos Educativos passam por planejamento, os resíduos plásticos que chegam na Casa Criatura estão sendo utilizados para desenvolver mobiliário urbano, como bancos e lixeiras, que serão instalados no centro histórico do Recife.
“O Cirandar consegue ter uma aplicabilidade prática, ao pegar o plástico e ressignificar! Podendo ser usado, tanto nas casas, quanto nas ruas, em formato de mobiliário urbano e utilitário”, afirma Isac Filho, um dos criadores do projeto.
Através dos valores captados nas duas premiações, o atual foco da Casa Criatura é planejar e executar a instalação de novas estruturas de coleta de resíduos recicláveis, contratação de profissionais multiplicadores de conhecimento, troca de saberes com consultores especialistas em economia e design circular e aquisição de maquinários.
Com a fase piloto demonstrando a viabilidade da reciclagem de uma tonelada de plástico em um mês, os idealizadores do Cirandar – Isac Filho e Juliana Rabello – pretendem expandir o projeto para novas localidades, incluindo uma estrutura itinerante em Fernando de Noronha e outras cidades do interior de Pernambuco.
Andrezza Araújo é Bióloga especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, consultora e auditora interna em sustentabilidade, CEO da Ecoetix, educadora e entusiasta de soluções que geram impacto positivo a natureza e a sociedade.
Andrezza faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.