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Recife e Olinda realizam o carnaval mais sustentável da história de Pernambuco

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O carnaval de Recife e Olinda (PE) são dois dos mais populares e multiculturais do mundo, e atraem todos os anos multidões de foliões vindos de diversas partes do Brasil e de outros países. Devido a intensa atividade turística que ocorre durante os dias de festa pelas ruas, há uma produção excessiva de resíduos sólidos, que podem gerar consequências alarmantes para o meio ambiente, como poluição dos rios, dos solos, e do ar, além da disseminação de doenças.

Foto de capa: Galo da Madrugada 2024 (Fonte: Victor Patrício)

Com a crescente necessidade de preservação dos recursos naturais e o aumento da abordagem socioambiental, várias iniciativas vêm sendo implementadas para tornar os eventos carnavalescos mais sustentáveis.

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei nº 12.305/10), os resíduos devem receber destinação final adequada, com o tratamento economicamente viável para cada tipo de material gerado, viabilizando a participação de cooperativas em seu processo de reciclagem. 

A PNRS preconiza uma ordem de prioridade para a gestão adequada, como podemos ver a seguir: 

1) Não-geração – A prioridade é evitar ao máximo a geração de resíduos sólidos durante o evento.

2) Redução – Caso a geração de resíduos seja inevitável, é necessário reduzi-la ao máximo. Por exemplo, incentivar os foliões a usar copos reutilizáveis em vez de copos descartáveis de uso único.

3) Reutilização – O resíduo gerado deve ser reutilizado sempre que for possível. Por exemplo, o reuso de garrafas retornáveis.

4) Reciclagem – Os eventos devem implementar a coleta seletiva, além de destinar os resíduos recicláveis para serem reinseridos na cadeia produtiva de novos materiais. Além de viabilizar a participação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis.

5) Tratamento – O material deve ser devidamente tratado de acordo com seu tipo, evitando prejuízos a saúde pública.

6) Disposição Final Adequada – O transporte e destinação final devem ocorrer de maneira ambientalmente adequada, evitando riscos à saúde pública e impactos negativos ao meio ambiente.

O carnaval pernambucano deste ano ganhou reforço no suporte aos agentes de reciclagem que trabalharam na coleta de resíduos durante as festas que ocorreram nas cidades de Olinda e Recife, principais pontos carnavalescos do estado. Através da parceria realizada entre o Instituto Heineken e a Solar Coca-Cola, foram viabilizadas melhores condições de trabalho e fornecimento de equipamentos de segurança, kits de higiene e alimentação para os catadores. A festa também contou com centrais de triagem de resíduos nas duas cidades.

Segundo Vania Guil, gerente do Instituto Heineken, a iniciativa além de garantir melhorias nas condições de trabalho para os catadores participantes, também teve o intuito de promover a economia circular e a conscientização popular sobre a importância da reciclagem, estendendo o apoio também aos trabalhadores que participaram da realização da festa durante os dias de carnaval.

Carnaval em Recife

Segundo o Jornal Diário de Pernambuco, o carnaval na cidade de Recife atraiu 3,4 milhões de foliões, e movimentou mais de R$ 2,4 bilhões para a economia. A quantidade de foliões aumentou 20% em relação ao ano passado.

De acordo com dados levantados pela prefeitura, foram recolhidas 533 toneladas de lixo, 27% a mais que o ano anterior. Dentre esses, 32 toneladas de material reciclável foram coletados e 2.500 pessoas fizeram parte da operação de limpeza da cidade, incluindo trabalhadores cooperados e autônomos.

O prefeito da cidade, João Campos, afirmou que a quantidade de material coletado no carnaval alcançou o recorde na história do Recife. Por meio da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), e com o patrocínio do Instituto Heineken, Novelis, Solar e realização da Associação Nacional dos Catadores – ANCAT, foram montadas duas cabines de comercialização de materiais recicláveis e as cooperativas participantes puderam vender seus materiais para a empresa Novelis em São Paulo.

Galo da Madrugada

Considerado o maior bloco de rua do mundo, o Galo da Madrugada teve como tema em 2024 o “Galo Mensageiro da Paz”, assinado pelo artista plástico e designer Leopoldo Nóbrega, com produção executiva de Germana Xavier. O foco da temática foi a sustentabilidade ambiental e inclusão dos idosos e dos povos originários.

Galo da Madrugada 2024 (Foto: Victor Patrício)

Para sua montagem foram utilizados cerca de 500 metros de conduítes, com o objetivo de causar menos danos ambientais, já que o material pode ser remodelado. Mais conduítes foram utilizados em algumas partes da crista. 

“O material é muito sustentável e poderá ser reutilizado muitas outras vezes. Esse processo de escolha dos materiais foi muito importante para nós na feitura do Galo deste ano”, afirmou Leopoldo Nóbrega.

Leopoldo contou ainda que a estrutura foi feita a partir de materiais reaproveitados do ano anterior e de sobras de tecidos do polo de confecção. As penas do galo foram feitas a partir da reutilização de materiais descartáveis, como banners, lonas e cartazes, que foram pintados com as cores predominantes em sua impressão gráfica original, a fim de diminuir a quantidade de tinta utilizada, e posteriormente foram costuradas por mulheres. Para as patas, foram produzidas as “Varandas da Paz”, feitas com rendas de algodão inspirada nas tradições dos pankararus, produzidas pelas artesãs da Cooperativa dos Artesãos Têxteis de Tacaratu (Coopertêxtil), no Sertão de Pernambuco, conhecida como a “Capital da Rede”, incentivando também o comércio local.

A alegoria do galo teve a cocriação artística com diferentes grupos. “Este ano trabalhamos com cerca de 300 pessoas, realizando um trabalho manual e artesanal. A ótica de trabalhar a inclusão dentro do processo criativo e autoral, foi uma forma de tornar o projeto um portal ativista em relação a humanização das relações contemporâneas, com uma visão integrada e transdisciplinar dos processos, trazendo inovação social e transformação da percepção coletiva em relação aos impactos ambientais”, contou Leopoldo Nóbrega.

Neste ano, também houve a parceria inédita da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) com o Galo da Madrugada para a realização de coleta seletiva de resíduos recicláveis durante o desfile. O projeto foi denominado de “Carnaval Sustentável Galo da Madrugada, Alepe 2024”.  A ação contou com 142 trabalhadores contratados para a coleta dos materiais, dentre eles cooperados, catadores autônomos e pessoas em situação de rua, proporcionando renda a todos os envolvidos.

Artista plástico e designer Leopoldo Nóbrega responsável pela produção do Galo da Madrugada (Foto: Alexandre Carsena)

A iniciativa ainda contou com uma ala de aproximadamente quarenta integrantes denominada “Galo 100% Reciclado”, que realizou uma campanha de incentivo à reciclagem. Para a Alepe, a parceria com o Galo da Madrugada é uma oportunidade para conscientizar o público a respeito da importância do consumo responsável e da reciclagem.

Além dessas medidas, a quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida durante o desfile, um dos gases mais impactantes no aquecimento global, passou a ser calculada com o intuito de realizar sua compensação através do plantio de árvores, a fim de amenizar o impacto ambiental gerado.  

A organização do bloco ainda possui a meta de extinguir o uso de plástico nos camarotes da festa, além de realizar a coleta seletiva dos resíduos deixados pelos foliões nas ruas, o que é um grande desafio, já que são cerca de dois milhões de pessoas durante a passagem bloco.

Carnaval em Olinda

Mais de 4 milhões de foliões circularam pelas ladeiras de Olinda durante este carnaval, gerando cerca R$ 400 milhões para a economia, de acordo com a prefeitura da cidade. 

Um dos blocos mais tradicionais do carnaval pernambucano o Homem da Meia-Noite, representado pelo boneco gigante olindense mais antigo e mais famoso do mundo, completou 92 anos abrindo o carnaval de Olinda pelas ladeiras, e este ano também realizou a compensação do dióxido de carbono (CO2) gerado durante seu desfile. 

O tema do bloco homenageou os povos originários e a roupa produzida para o calunga foi assinada pela estilista Dayana Molina, descendente das etnias fulni-ô e aymará, que disse seguir uma linha decolonial e sustentável em sua produção. A abordagem do tema reafirmou a importância do fortalecimento das pautas indígenas e a preservação cultural para o estado de Pernambuco.

Homem da Meia-Noite 2024 (Foto: Eduardo Cunha para Secult/PE)

Com a parceria firmada entre a Coca-Cola Solar e o Instituto Heineken, foram realizadas melhorias na estrutura cedida aos trabalhadores que participaram da coleta de resíduos nas ruas de Olinda. A Secretaria Executiva de Planejamento Ambiental, abriu inscrições para catadores de materiais recicláveis trabalharem durante a festa, que receberam crachá, ecobags, camisas, luvas, alimentação diária e noturna, além de receber uma cesta básica. Os filhos dos catadores tiveram espaço de lazer e convivência, com segurança e alimentação garantidas pela prefeitura da cidade. Toda transação financeira dos inscritos foi realizada no ato da pesagem do resíduo coletado, com pagamento em espécie ou via Pix. A Cooperativa de Catadores de Olinda (Coocencipe) também atuou como parceira da prefeitura.

No total, foram 1196 trabalhadores, 40% a mais que no ano passado, e foram coletados mais que 25 toneladas de materiais recicláveis, com a geração de aproximadamente 100 mil reais em renda para os catadores participantes. 

A Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha do Estado de Pernambuco (SEMAS), assumiu a importância da inclusão dos agentes ambientais, que são principalmente os catadores de materiais reciclados, para efetivar o cumprimento das políticas públicas relacionadas à gestão de resíduos sólidos.

“Todo o diálogo que a Semas tem com as cooperativas é para a formulação dos projetos que a Semas pretende desenvolver para qualificar e melhorar as condições de trabalho e aumentar a capacidade dessas cooperativas. Com isso, nós aumentamos o percentual de material reciclado no estado”, destaca Monaliza, que faz parte da Gerência Geral de Resíduos Sólidos da SEMAS/PE.

Apesar do carnaval pernambucano deste ano, superar os níveis de coleta de gestão de resíduos de anos anteriores, aumentar a inclusão social e servir de modelo para a organização de outros eventos, existe um grande percurso pela frente para alcançarmos os desafios propostos pela Agenda 2030 da ONU em prol da sustentabilidade, e trazer para a prática as leis ambientais já vigentes no país.

Assim como preconiza a PNRS, a responsabilidade pela destinação correta dos resíduos precisa ser compartilhada entre; organizações públicas e privadas e sociedade civil. A educação ambiental ainda é de extrema necessidade para que mais pessoas possam tomar consciência de sua responsabilidade com as questões socioambientais, e fazer sua parte para um verdadeiro avanço.

Andrezza Araújo, 28 anos, é Bióloga especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, consultora e auditora interna em sustentabilidade, CEO da Ecoetix, educadora e entusiasta de soluções que geram impacto positivo a natureza e a sociedade.

Andrezza é faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.