Impacta+InovaçãoNegócios de impacto

Startup criada por estudantes de Recife desenvolve solução para monitorar alagamentos

4 mins de leitura

Iniciativa que nasceu do desafio “Hacker Cidadão 11.0”, lançado pela Prefeitura do Recife, visa melhorar segurança da população durante as chuvas.

As mudanças climáticas, intensificadas pelo aquecimento global, vêm provocando chuvas cada vez mais intensas, resultando em desastres ambientais que impactam diretamente a população. A maioria das cidades brasileiras não está preparada para lidar com eventos climáticos extremos, e, com frequência crescente, acompanhamos catástrofes em diversas regiões do país.

Entre as capitais brasileiras, Recife se destaca negativamente: é considerada a mais vulnerável às mudanças climáticas e ocupa a 16ª posição entre as cidades mais expostas do mundo, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Dados da Prefeitura do Recife apontam que a cidade está, em média, apenas 4 metros acima do nível do mar — com algumas áreas da planície localizadas abaixo dele.

Um estudo da organização Climate Central, realizado em 678 cidades ao redor do mundo, indica que a temperatura média de Recife aumentou 0,9°C em razão do aquecimento global. Hoje, a cidade já enfrenta alagamentos frequentes, mesmo sem chuvas, por causa das marés altas. Nos últimos 30 anos, o nível do mar subiu 9 cm, agravando ainda mais a situação.

A configuração geográfica e urbana de Recife contribui para a sua vulnerabilidade: a cidade foi construída de forma desordenada sobre áreas de manguezais aterradas, é cercada por rios e ladeada por morros com risco de deslizamento. Além disso, não conta com um sistema de drenagem eficiente, o que dificulta o escoamento da água da chuva.

Essas características favorecem a ocorrência de enchentes, que impactam negativamente a mobilidade urbana e a economia local — atingindo principalmente as populações em situação de maior vulnerabilidade social.

Luís Fernando Guedes, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, destaca que as principais soluções para enfrentar esse cenário nas cidades brasileiras são: ampliação das áreas verdes, que ajudam a conter os efeitos das chuvas; melhoria dos sistemas de drenagem e coleta de resíduos; e a retirada de moradores das zonas de risco.

Ih Alagou

Diante desse contexto, um grupo de estudantes recifenses criou a startup Ih Alagou, em resposta a um desafio proposto pela Empresa Municipal de Informática (Emprel), da Prefeitura do Recife. O objetivo era encontrar soluções para o monitoramento de alagamentos e a mitigação dos impactos de eventos climáticos na cidade.

A Ih Alagou desenvolveu um dispositivo físico de baixo custo e alta durabilidade, com eletrônica embarcada, que monitora e envia dados em tempo real pela internet para um banco de dados. O equipamento utiliza canos de medição que podem ser instalados nas ruas, com potencial de escalabilidade em diferentes pontos da cidade.

As informações coletadas auxiliam gestores públicos na tomada de decisões rápidas e eficientes, orientando a população sobre áreas alagadas. Além disso, os alertas podem ser enviados via WhatsApp para usuários cadastrados na plataforma, promovendo mais segurança e agilidade na comunicação.

Por meio de um dispositivo com eletrônica embarcada, os alagamentos da cidade são monitorados e a informação é enviada em tempo real para um banco de dados, disponibilizados na plataforma do projeto. (Foto: Divulgação/Ih Alagou)

Lucas Leonides, estudante da área de tecnologia e CEO da Ih Alagou, conta que a ideia surgiu durante a 11ª edição do Hacker Cidadão, em julho de 2024. A maratona de programação, promovida no Startup20 — iniciativa vinculada ao G20 — incentiva a criação de soluções urbanas sustentáveis. Em apenas uma semana, a equipe liderada por Lucas desenvolveu o primeiro protótipo e conquistou o 1º lugar no desafio, recebendo uma premiação em dinheiro que impulsionou o projeto.

Conquistas e avanços

Cerca de dois meses após vencerem a maratona, o Mínimo Produto Viável (MVP) foi instalado no Espaço Ciência, o maior museu de ciência e tecnologia a céu aberto do país, localizado em Pernambuco.

O desenvolvimento do protótipo contou com o apoio do Laboratório de Inovação para Mudanças Climáticas e Sustentabilidade (LIMCS), da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), onde o projeto também foi premiado durante a 11ª Semana Socioambiental, recebendo o selo “LIMCS de Inovação Socioambiental”.

A Ih Alagou também foi destaque em outros eventos de inovação: conquistou o primeiro lugar na maratona de negócios do SEBRAE, durante a Campus Party Nordeste, um dos maiores festivais de tecnologia e empreendedorismo do país.

Próximos passos

A startup está na reta final do processo de aceleração do BNDES Garagem, programa que apoia soluções socioambientais inovadoras em todo o Brasil. Entre mais de 1.800 inscrições, a Ih Alagou foi uma das 50 selecionadas para a segunda fase, participando de mentorias especializadas e encontros presenciais no Rio de Janeiro. A equipe retorna à cidade em abril para a etapa final do programa.

Além disso, o projeto também avança no programa Startup NE | PE, uma iniciativa do Sebrae com apoio da Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco), que impulsiona negócios inovadores no Nordeste.

Equipe da Ih Alagou (Foto: Divulgação/Ih Alagou)

Atualmente fazem parte do time, Lucas Leonides (CEO), Bruna Thamires (Pesquisadora), Lucas Quadros (Analista IoT), Maria Vitória (Desenvolvedora back-end) e Gabriela Maia (Desenvolvedora front-end).

“Ainda não instalamos o dispositivo nas ruas. Estamos em negociação com algumas Defesas Civis para testá-lo em ambiente real. Nosso objetivo é monitorar os alagamentos durante este inverno e, a partir do próximo ano, lançar o produto em larga escala para todo o Brasil”, afirma Lucas.

As conquistas da Ih Alagou reforçam o papel fundamental da tecnologia no enfrentamento aos desafios urbanos e climáticos. Para que soluções como essa se multipliquem, é essencial ampliar os investimentos em inovação e criar pontes entre o poder público, a academia e a sociedade civil.

A crise climática já é uma realidade, e adaptar as cidades para enfrentá-la é uma urgência que deve ser encarada com seriedade e colaboração.

Andrezza Araújo é Bióloga especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, consultora e auditora interna em sustentabilidade, CEO da Ecoetix, educadora e entusiasta de soluções que geram impacto positivo a natureza e a sociedade.

Andrezza faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.