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Verde Vida Mangue: A Força Coletiva para Regeneração dos mangues no Nordeste

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No Delta do Parnaíba, o projeto Verde Vida Mangue mobiliza comunidades tradicionais para restaurar áreas degradadas e fortalecer o território. 

Em outros momentos, já compartilhei aqui a importância dos ecossistemas costeiros, especialmente os manguezais, que desempenham um papel essencial na regulação climática e na preservação da biodiversidade. Apesar disso, estão entre os ecossistemas mais vulneráveis do Brasil. Desde o início do século 20, o Brasil já perdeu cerca de 25% dos seus manguezais, segundo o ICMBio. No Nordeste e no Sudeste, o cenário é ainda mais alarmante: cerca de 40% das áreas que antes formavam extensões contínuas foram degradadas. Esse dado alarmante reforça a necessidade de ações urgentes para garantir a sobrevivência desses ecossistemas e das populações que dependem deles. 

E ao caminhar pelos territórios que cercam o Delta do Parnaíba, especialmente, é impossível ignorar a relação entre as comunidades locais e os manguezais. Para muitas famílias, esses ecossistemas não são apenas uma paisagem, mas parte fundamental de sua subsistência e identidade cultural. A pesca, o extrativismo do caranguejo e dos frutos do mangue, além do turismo de base comunitária, sustentam modos de vida há gerações. A degradação ambiental, impulsionada pelo desmatamento, pela poluição e pelas mudanças climáticas, coloca em risco tanto o equilíbrio natural desses ecossistemas quanto a segurança alimentar e a economia de centenas de famílias que dependem deles.

Diante desses desafios, iniciativas como o Projeto Verde Vida Mangue surgem como respostas fundamentais para a conservação dos territórios e a garantia dos direitos das comunidades tradicionais. Criado em 2022 pela Comissão Ilha Ativa (CIA), o projeto atua em territórios da Área de Proteção Ambiental (APA) Delta do Parnaíba, que abrange os estados do Ceará, Piauí e Maranhão, e da Reserva Extrativista Delta do Parnaíba, localizada no Maranhão.

(Foto: Acervo Verde Vida Mangue)

Antes da criação do Verde Vida Mangue, a Comissão Ilha Ativa já realizava diversas ações socioambientais na região, com pesquisas, monitoramento de espécies e trabalho junto às comunidades tradicionais. No entanto, como destaca Rosangela Maria, coordenadora do projeto: “Percebemos que, entre todas as iniciativas em andamento, havia uma ausência de atuação direta para a preservação dos manguezais. Dessa vontade de ampliar nosso trabalho, nasceu o Verde Vida Mangue, com o propósito de atuar diretamente junto às comunidades tradicionais envolvidas com esse ecossistema.”

Desde sua criação, o projeto já plantou mais de 4 mil mudas em áreas antes degradadas. Esse plantio não é apenas um ato simbólico. Cada muda é catalogada e monitorada em quatro ciclos mensais, garantindo que a recuperação seja efetiva e baseada em dados concretos. Além disso, têm sido implementados viveiros para a produção de novas mudas, assegurando um ciclo contínuo de restauração do bioma.

“O acompanhamento das áreas reflorestadas é feito mensalmente, avaliando o desenvolvimento das mudas e os impactos da fauna local, como bovinos que acabam consumindo algumas plantas. Os sinais de recuperação são perceptíveis a longo prazo, mas já observamos o retorno de aves como o Guará. Ainda é cedo para mensurar resultados mais expressivos, mas seguimos trabalhando para restaurar a beleza e os serviços ecossistêmicos do manguezal”, explica Rosangela. 

Fortalecimento do território

Um dos diferenciais do Verde Vida Mangue é sua abordagem integrada, que alia restauração ecológica e mobilização social. O projeto não apenas trabalha na regeneração do bioma, mas também no fortalecimento das comunidades que dependem dele, promovendo autonomia e pertencimento. Um exemplo desse protagonismo é a atuação da Rede Mulheres da Resex Delta do Parnaíba, que tem sido força essencial nos mutirões de plantio para a regeneração dos manguezais. 

Sobre como a participação da comunidade influencia no sucesso das ações de regeneração, Rosangela ressalta que  “A comunidade é a verdadeira guardiã do território. Sem o envolvimento dela, não há regeneração duradoura. Nosso trabalho de educação ambiental busca fortalecer esse entendimento, mostrando a importância do uso sustentável dos recursos naturais. É um processo contínuo, mas percebemos que o orgulho pelo ecossistema está crescendo e, com isso, o desejo de protegê-lo.”

Recentemente, essa rede de atuação se expandiu ainda mais com a parceria da ONG Filha do Sol, que viabilizou, junto à REMULMANA (Rede de Mulheres das Marés e das Águas, dos Manguezais Amazônicos do Maranhão e Piauí), a realização do Diálogo das Mulheres das Marés e das Águas dos Manguezais Amazônicos. O evento foi um marco na discussão sobre o papel das mulheres na preservação dos territórios e na luta contra as mudanças climáticas, consolidando um espaço de escuta e fortalecimento coletivo.

A iniciativa segue ganhando fôlego e conquistando novos espaços. Com o apoio da Filha do Sol e o suporte financeiro e institucional da Women’s Earth Alliance (WEA), uma organização americana que capacita lideranças femininas na linha de frente da justiça climática, o Verde Vida Mangue tem ampliando ainda mais o seu impacto e impulsiona mudanças estruturais na região. Além da regeneração ambiental, o projeto fortalece a economia e a cultura local. Mulheres marisqueiras e artesãs participam de capacitações que ampliam sua autonomia financeira e valorizam seus saberes tradicionais. Intercâmbios entre comunidades da região também têm permitido a troca de conhecimentos sobre práticas sustentáveis, enquanto o monitoramento comunitário coloca os próprios moradores no centro da preservação, acompanhando de perto a recuperação das áreas reflorestadas.

Educação & Arte como Caminhos

A educação ambiental é um dos pilares do projeto. A sensibilização das comunidades também parte pela capacitação de professores e alunos da rede pública para multiplicar o conhecimento sobre a preservação dos manguezais. Uma das iniciativas de maior impacto, até o momento, foi o Encontro de Educação Ambiental com Educadores, que incentivou a criação de atividades educativas contínuas dentro das escolas locais. 

“As atividades educativas inicialmente evidenciaram um conhecimento parcial sobre os manguezais e seus conceitos ecológicos, mas também nos mostraram que há uma forte percepção sobre sua importância socioeconômica para pescadores e comunidades locais. O que mais nos alegra é ver os participantes compartilhando uma nova visão sobre os manguezais e a biodiversidade da região, além de adotarem práticas mais responsáveis para a proteção dos nossos recursos naturais”, destaca a coordenadora.

(Foto: Reprodução/Instagram: @projetovvmangue)

Além disso, a arte também tem sido uma grande aliada nesse processo de sensibilização e valorização do território. Murais criados pelo artista João Lucas, conhecido como Feijão, foram pintados em escolas e no museu local, estampando a riqueza e a importância dos manguezais na identidade da comunidade. Essas obras de arte não apenas embelezam os espaços, mas também reforçam a conexão dos moradores com a paisagem natural que os cerca.

Rosangela acrescenta que “Os murais e ações artísticas fortalecem o vínculo da comunidade com seu território. Retratar as paisagens locais desperta orgulho e reforça a necessidade de proteção.Quando as pessoas fortalecem seu vínculo com sua terra, acabam sendo mais efetivas as ações de proteção.[…]percebemos que a arte facilita as reflexões sobre a proteção do território e as pessoas se tornam mais acessíveis a isso. 

(Foto: Acervo Verde Vida Mangue)

Força coletiva

Olhar para o caminho traçado pelo Verde Vida Mangue é, inevitavelmente, olhar para as histórias e lideranças que se entrelaçam nesse movimento de resgate territorial. Entre elas, a de Rosangela Maria se destaca como um símbolo de protagonismo feminino na defesa do meio ambiente e das comunidades tradicionais. Filha de pescador, com raízes quilombolas e indígenas, Rosangela não apenas coordena o projeto, mas é uma força impulsionadora das agendas de justiça ambiental e social no Delta do Parnaíba. Há 13 anos, seu trabalho tem sido um farol para o empoderamento das mulheres da região, criando espaços de formação, troca e autonomia.

(Foto: Acervo Verde Vida Mangue)

Mas como uma iniciativa que se faz pela força coletiva, à frente do VVM, Rosangela caminha ao lado de uma equipe que compartilha do mesmo propósito: transformar realidades e fortalecer laços entre as comunidades e o território que chamam de lar. Ismael, Ana e Gracelia somam suas trajetórias e conhecimentos a esse movimento. Juntos, articulam saberes ancestrais e científicos, conectando a memória dos territórios à urgência de protegê-los para as futuras gerações.

(Foto: Reprodução/Instagram: @projetovvmangue)

A iniciativa segue expandindo seu impacto e construindo um legado de regeneração ecológica e fortalecimento comunitário. É uma transformação potente e vai além do reflorestamento e da educação ambiental. Ela fortalece comunidades, amplia vozes e constrói um futuro mais resiliente para o Delta do Parnaíba.

“Queremos que o projeto impacte no sentimento de proteção dos territórios nas pessoas. Esperamos contribuir para o fortalecimento das comunidades, seu protagonismo e sua voz. Uma comunidade forte e ecologicamente saudável acaba por produzir qualidade de vida para seus moradores, para toda uma região e para o futuro. Queremos que mais pessoas saibam a importância dos manguezais para a perpetuação da vida no Delta do Parnaíba, para o nordeste brasileiro e para o Brasil. Mostrar que já estamos sofrendo os efeitos das mudanças climáticas e como podemos trabalhar na sua mitigação, entendendo que ações locais impactam globalmente”, afirma Rosangela. 

Essa transformação também pode ser compreendida em números: 2 formações com professores para inserir a educação ambiental nas escolas, 4.000 mudas de mangue vermelho plantadas, dois viveiros construídos, 8 plantios participativos, mais de 500 crianças envolvidas e 300 mulheres fortalecendo suas vozes e direitos nos eventos do projeto.

E essa atuação não se limita ao campo. O Verde Vida Mangue também ocupa espaços estratégicos de decisão, como a Câmara Temática de Gestão Socioambiental do Conselho Consultivo da APA Delta do Parnaíba, a Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental do Piauí e a Conferência Nacional de Educação. Assim, além de regenerar o meio ambiente e engajar a comunidade, o projeto ajuda a moldar políticas públicas que impactam o presente e garantem um futuro mais sustentável para a região.

Se esse movimento por transformação, impulsionado pelo Projeto Verde Vida Mangue, inspirou você, saiba que ainda há muito a ser feito e você pode ser parte dessa transformação. Clique aqui para conhecer mais sobre o projeto e descobrir como contribuir.