Impacta Nordeste

Avanços e desafios da Política Estadual de Investimentos e Negócios de Impacto Social do Rio Grande do Norte

Nessa série especial de três matérias, vamos analisar os avanços e desafios do comitê que norteia as atividades fundamentadas na lei nº 10.483, um ano e meio após a sua implementação. A legislação instituiu a Política Estadual de Investimentos e Negócios de Impacto Social do Rio Grande do Norte, a primeira do seu tipo no Brasil.

Por Ana Paula Silva.
Edição de Marcello Santo.
Foto: Assinatura da lei nº 10.483. (Sebrae/RN)

Nos últimos anos, observamos uma tendência que tem-se intensificado no Brasil: o surgimento de empresas que buscam aliar lucro e impacto social positivo, os chamados negócios de impacto social, ou socioambiental. Mesmo com este crescimento, tais empreendimentos ainda estão inseridos em um contexto cercado por inúmeras incertezas. Porém, diversos atores buscam criar as condições necessárias para que esse modelo de negócio tenha um ambiente regulatório mais amigável e possa caminhar em direção à sua plena potencialidade.

O 3º Mapa de Negócios de Impacto realizado em 2021, conduzido pela Pipe.Labo, divisão da Pipe.Social, mapeou 1300 negócios de impacto no Brasil, sendo 1272 negócios ativos (base para a análise do relatório) e 28 que declararam encerrar as suas atividades em 2021, reflexo da pandemia. Entre a primeira edição do mapa, realizada em 2019, houve uma aumento no número de negócios de impacto social: na primeira edição foram mapeadas 579 empresas, na segunda 1002, e na terceira 1300. 

Em 2019, uma pesquisa conduzida pela Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto sugeriu quatro critérios para definir um negócio como sendo “de impacto”: (1) a Intencionalidade de resolução de um problema social e/ou ambiental; (2) A solução de impacto é a atividade principal do negócio; (3) Busca de retorno financeiro, operando pela lógica de mercado; (4) Compromisso com monitoramento do impacto gerado.

Um dos principais diferenciais desse tipo de iniciativa é que elas são desenvolvidas considerando a viabilidade econômica da intervenção, com base em estratégias e modelos de negócios, ou seja, são soluções de negócios para problemas socioambientais e buscam gerar um impacto positivo nessas questões.  Portanto, viabilidade econômica e preocupação social e ambiental possuem a mesma importância e fazem parte do mesmo plano de negócios.

Apesar de representarem um número ainda pequeno de negócios quando comparado com o número de empresas tradicionais, o potencial apresentado por essas soluções e o fato de proporcionarem impacto social e ambiental positivo de forma autossustentável, tem mobilizado empresas, organizações e o poder público para criar mecanismos de apoio ao desenvolvimento desse tipo de negócio.

Pioneirismo potiguar

Em 2019, o estado do Rio Grande do Norte foi pioneiro na criação de uma política estadual de investimentos e negócios de impacto social. A lei nº 10.483, de 04 de fevereiro de 2019, listou os objetivos que fundamentam a “promoção de um ambiente favorável e simplificado ao desenvolvimento de investimentos e negócios de impacto” no Rio Grande do Norte. Por meio da lei também foi criado o Comitê Estadual de Investimentos e Negócios de Impacto Social (CENIS) que foi dividido em quatro eixos de trabalho e está norteando as atividades para fomentar os negócios de impacto social no RN.

A determinação da governadora Fátima Bezerra, no momento da instalação do CENIS, foi a de “atuar de forma integrada com todos os parceiros em busca de mais desenvolvimento para o nosso Estado”, e com o objetivo de tornar o Rio Grande do Norte “mais competitivo e atrativo para novos investimentos que vão gerar empregos para nosso povo com responsabilidade social e ambiental”.

Secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte, Jaime Calado. (Foto: SEDEC/RN)

O Governo Estadual adotou medidas inovadoras a partir da percepção da necessidade de estabelecer um acompanhamento formal das demandas e de impulsionar os negócios de impacto social, estabelecendo condições que permitam um tratamento isonômico a todos os empreendimentos.

A primeira condição exposta na nova legislação estadual já demonstrava o propósito de criar uma rede de parcerias entre os setores públicos e privados para que houvesse uma melhor percepção das demandas e, ao mesmo tempo, a possibilidade de unir esforços para oferecer um conjunto mais efetivo de respostas

Para o Secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte, Jaime Calado, com a nova política estadual de investimentos e negócios de impacto social, iniciava-se mais uma nova atribuição na SEDEC. A secretaria foi o órgão designado pela Lei de Investimentos e Negócios de Impacto Social para implantar e coordenar as atividades do CENIS e propor planos, metas e estratégias para valorizar ainda mais a capacidade empreendedora dos norteriograndenses e dos milhares de pequenos empreendimentos em todo o Estado. De acordo com o Secretário:

“Temos um instrumento legal, que vem do Legislativo, para organizar as políticas. Nós temos a honra de sermos componentes desse primeiro comitê no Brasil”.

O Comitê Estadual de Investimentos e Negócios de Impacto Social (CENIS) é formado por várias instituições como: Junta Comercial do Estado (Jucern), Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Norte (FECOMÉRCIO), Federação das Câmaras Lojistas (FCDL), Federação da Agricultura e Pesca do Rio Grande do Norte (FAERN), Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Rio Grande do Norte (SEBRAE/RN), Representante do Comitê de Investimentos e Negócios de Impacto a Nível Nacional (ENIMPACTO), universidades e faculdades, incubadoras, organizações da sociedade civil e agências de fomento, e bancos oficiais, entre outros. 

Eixos de atuação

No intuito de obter a melhor contribuição de todos os parceiros indicados, o CENIS estabeleceu uma metodologia de atuação mais ágil e dinâmica com a divisão do trabalho em temas específicos que passaram a compor a chamada “agenda de trabalho” na formulação da política pública. Os membros representantes do comitê foram agrupados em quatro eixos temáticos:

Guido Salvi dos Santos, Coordenador da assessoria técnica da SEDEC (Foto: SEDEC/RN)

O coordenador da assessoria técnica da SEDEC, Guido Salvi dos Santos, reforça o diferencial desses empreendimentos e que, além de adotar um olhar personalizado para a nova política estadual dos negócios de impacto social, é necessário ampliar a ideia de que são empreendimentos (formais ou informais) que incorporaram em sua missão e estratégia de atuação mais do que a geração de receita ou a distribuição do lucro visto o reconhecimento de um outro ideal, de que é necessário um real compromisso na transformação social ou ambiental em todas as ações, em todos os produtos e serviços disponibilizados aos consumidores e a todos os cidadãos. 

“Um negócio de impacto social tem uma premissa básica: a necessidade de resolver ou contribuir para a solução de um problema social e/ou ambiental de forma autossustentável e independente, sob o aspecto financeiro. Consequentemente, todos os negócios de impacto social se complementam com os ideais do empreendedorismo, da economia solidária, da transformação e da inclusão social, de um meio ambiente saudável e equilibrado, da participação popular e de todas as ideias que contribuam diretamente com a criação e promoção de um ambiente favorável aos novos investimentos em favor do Rio Grande do Norte”, afirma Guido Salvi.

O importante papel do SEBRAE

O SEBRAE é pioneiro no fomento aos negócios de impacto social no Nordeste. No Rio Grande do Norte, a organização tem cumprido um papel fundamental na disseminação do conceito e no incentivo a novos negócios, além de ter atuado decisivamente nas articulações para a implementação da Lei nº 10.483. Com vários programas voltados para o setor e com forte atuação no CENIS, a entidade está cumprindo um papel essencial na implementação das políticas voltadas para os negócios de impacto.

Mona Paula Nóbrega, Gestora de Desenvolvimento de Negócios de Impacto Social do SEBRAE/RN. (Foto: Moraes Neto/Sebrae)

“Os Negócios de Impacto Social são o que chamamos de indústria 2.5. Eles não se enquadram como empresas formais e também não fazem parte do terceiro setor, formado por instituições sem fins lucrativos. Estas empresas têm grande potencial para transformar o meio social e ambiental ao seu redor sem abrir mão do lucro. O objetivo do comitê é identificar os empreendedores já existentes, propor a criação de novos negócios, avaliar, monitorar e fornecer meios através das entidades mediadoras, do governo e da sociedade civil, para o crescimento sustentável desses negócios”, afirma a gestora de desenvolvimento de Negócios de Impacto Social do SEBRAE/RN, Mona Paula Nóbrega.

Diversas ações foram e estão sendo idealizadas pelo SEBRAE/RN alinhadas com os objetivos do comitê. A entidade tem promovido anualmente o Programa de Aceleração Sebraelab para Negócios Inovadores de Impacto Socioambiental, capacitando e premiando negócios de impacto de todo o estado. Ainda em 2021, será lançado programas com recorte de gênero e raça. “Essa é uma discussão que está sempre presente e em pauta no comitê. Estamos para lançar o primeiro programa de aceleração para mulheres negras no RN, que será uma parceria entre o Sebrae e a Black Rocks Startup, um hub de inovação liderado por mulheres negras. O edital será voltado para mulheres empreendedoras e deve ser lançado no segundo semestre”, antecipa a representante do Sebrae.

Conquistas e desafios

Juntar tantos atores com diferentes níveis de compreensão sobre esse novo modelo de negócio é um grande desafio. De acordo com Mona Paula, a primeira grande entrega para o setor de impacto social potiguar foi justamente a junção das várias instituições e do poder público, que compõem o comitê, em prol da criação da lei, que levou a criação do CENIS.

“A partir da criação da lei e do comitê, pudemos de fato falar a mesma língua e contribuir para a criação de novos negócios e arregimentar esforços para que esses novos negócios tenham apoio. A criação do comitê proporcionou que todos os atores presentes se capacitassem e passassem a conhecer do que realmente se tratam os negócios de impacto social”.

Ainda de acordo com Mona Paula, o segundo grande passo dado pelo CENIS foi “mostrar que outras instituições do Brasil e do mundo falam sobre isso e fomentam esses negócios. Com a divisão dos eixos, foi definido para cada um objetivos específicos e metas a serem alcançadas. Ainda temos muito a percorrer nesse sentido, mas a partir da capacitação dos participantes do comitê vamos desdobrar esse conhecimento dentro das instituições”, conclui.

Os desdobramentos do trabalho do comitê estão ocorrendo através dos eixos. O eixo 1, que tem como objetivo conseguir recursos para apoiar o desenvolvimento dos negócios de impacto social, ainda encontra alguns desafios para concretizar suas metas.

“Ainda precisamos fazer com que as instituições financeiras consigam, de fato, oferecer esses recursos. No RN temos recursos seja em âmbito estadual, municipal e até de instituições privadas que podem ser aportados dentro dos negócios de impacto social. O desafio ainda está em como essas instituições financeiras conseguirão reconhecer e identificar um negócio de impacto social e ofertar uma linha de crédito que seja condizente com o perfil desses negócios. Por que não ter um tratamento diferenciado para aquele negócio dentro da instituição financeira se ele está propondo resolver um problema social e ambiental? Uma linha de crédito que seja mais barata, que tenha juros reduzidos, com prazo diferenciado para esses negócios”, explica Mona Paula.

As universidades, que compõem o eixo 2, têm tido um papel fundamental na disseminação da temática de negócios de impacto social e tem atuado fortemente, principalmente com a sensibilização do público universitário. Em 2020, foram implementados projetos de extensão, disseminados os temas voltados para negócios de impacto social e ambiental e promovidas uma série de maratonas de negócios de impacto social e hackathons com o público universitário.

Reunião do CENIS em 2019. (Foto: Sebrae/RN).

“As instituições de ensino envolvidas no CENIS vêm fomentando a temática para que novos negócios de impacto social nasçam nas próprias universidades, executando ações com essa temática para fazer com que os estudantes conheçam e se interessem pela área. Hoje encontramos muitos projetos, inclusive estruturados na universidade, mas que não se enxergam como negócio de impacto. Ano passado o SEBRAE/RN realizou dois hackathons com mais de mil alunos que desenvolveram ideias de negócios de impacto social e ambiental. Alguns projetos foram premiados aqui no RN e outros em eventos nacionais”, afirma a gestora do SEBRAE/RN.

Atualmente as instituições de ensino que atuam no eixo 2 são: Universidade Potiguar (UnP), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Universidade Federal do Semi-árido (UFERSA), Centro Universitário Facex (UNIFACEX) e Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN).

Também no eixo 2, o comitê tem feito um trabalho com ONGs e cooperativas para levar o empreendedorismo de impacto para dentro dos grupos minoritários como quilombolas e comunidades periféricas. “Iniciamos um mapeamento de algumas comunidades quilombolas no RN e temos colhidos bons frutos e conseguido fomentar o empreendedorismo social em associações e cooperativas que é uma das metas dos eixos”, explica Mona Paula.

No eixo 3, formado pelas organizações intermediárias como o Sesc, Senac, Fiern e CDL, além do Sebrae, houveram avanços na capacitação dessas entidades na temática de negócios de impacto social. “Fizemos um levantamento de quais entregas cada instituição têm e que podem servir de apoio para os empreendedores sociais. Fizemos um mapeamento do que o Sesc pode entregar, o Sebrae, a Fiern, enfim, do que essas entidades têm em produtos e serviços que podem ser ofertados. O levantamento foi feito no ano passado e a intenção é que a gente disponibilize isso dentro da página sobre impacto social que temos no Sebrae. Também estamos fazendo o mapeamento do ecossistema de impacto do nosso estado, utilizando a metodologia do Sebrae Nacional, que vai nos mostrar o que temos e o que não temos no nosso ecossistema e o que seria necessário para que ele se desenvolvesse mais”, explica Mona Paula.

Por fim, no Eixo 4 que é formado pelas instituições públicas, a SEDEC vem trabalhando no reconhecimento dos negócios de impacto social, que é crucial para o desenvolvimento dos trabalhos e metas dos outros eixos. “A questão do reconhecimento é essencial, pois por mais que os eixos tenham interesse de entregar as metas estabelecidas, praticamente todos os trabalhos esbarram nessa questão. Como é que eu reconheço um negócio de impacto, se eu não sei quem são, que critérios deve-se utilizar para definir uma empresa como de impacto social?”, levanta a gestora.

Reconhecendo os Negócios de Impacto

Para ajudar na formalização dessas empresas como negócios de impacto social, o comitê começou a definir que critérios estabelecer para reconhecer esse tipo de empresa. Para tornar o processo de reconhecimento menos burocrático, uma plataforma online está sendo desenvolvida pela SEDEC.

Reunião virtual do CENIS em 2021. (Foto: SEDEC/RN)

“A secretaria está criando uma plataforma para os empreendedores se cadastrarem e solicitarem uma avaliação e uma validação como negócio de impacto social. Será um processo em parte autodeclaratório e em parte analisado por uma comissão que vai avaliar o perfil do negócio, de intencionalidade, de geração de impacto positivo e de receita, entre outros critérios para que o negócio seja reconhecido como negócio de impacto social”, explica Mona Paula. Uma vez que as empresas possam ser reconhecidas será possível oferecer benefícios e apoios mais práticos a esses empreendedores, possivelmente isenção, taxas de juros menores e fundos de investimentos.

Sobre a plataforma, Guido Salvi, explica que o sistema está sendo construído por técnicos do governo estadual, que já está em fase de testes e deverá estar em pleno funcionamento no segundo semestre de 2021.

“O objetivo da ferramenta é que os interessados em cadastrar seus empreendimentos como negócio de impacto social, possam fazer isso, sem a necessidade de deslocamento para Natal, utilizando um sistema que prima pela simplicidade”.

“Posteriormente uma comissão irá analisar os dados inseridos no sistema e fará uma visita “in loco” verificando as informações para uma análise final. Se tudo atender aos requisitos definidos pelo decreto, o negócio de impacto social receberá uma certificação que será publicada no Diário Oficial do Estado”, conclui Guido.

Nas próximas matérias vamos aprofundar sobre a atuação das instituições de ensino e os primeiros mecanismos de fomento que estão sendo elaborados para os negócios de impacto no estado. Confira as demais matérias dessa série especial: Como as instituições de ensino vem fomentando os negócios de impacto social no RN e Instituições financeiras se adaptam para atender demandas dos negócios de impacto social no RN.

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