O Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA), coletivo formado professores, pesquisadores, ativistas socioambientais e ONGs, vem impactando positivamente o semiárido paraibano promevendo a transição energética popular.
O 7º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) presente na Agenda 2030 da ONU destaca a importância de assegurar o “acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”. A presença do tema nessa agenda voltada ao desenvolvimento sustentável demonstra a importância em pensarmos local e globalmente em possibilidades de prover e consumir energia com menor impacto ambiental.
A preocupação em reduzir os impactos ambientais negativos gerados em todos os setores incentivou a procura por fontes de energias alternativas, renováveis e com menor degradação ambiental, conhecidas como energias limpas. Mas será que existe um tipo de energia 100% limpa?
Existem várias fontes de energia capazes de gerar energia elétrica, contudo, todas elas causam algum tipo de impacto negativo no meio ambiente. Portanto, se energia limpa é o tipo de energia que não provoca nenhum tipo de impacto ambiental, então ela não existe.
Se considerarmos, por exemplo, a energia solar e eólica, considerando todo o ciclo de vida das gerações, teremos emissões contabilizadas na construção dos equipamentos, uso de materiais, destino final dos resíduos etc. Além dos conflitos socioambientais pelo uso de recursos, que já são outro problema. Assim, o que existe são energias renováveis, que possuem muitas vantagens, principalmente dentro de uma abordagem descentralizada e onde existem recursos naturais em abundância.
Semiárido e as potencialidades da energia solar distribuída
A energia solar é uma das alternativas mais viáveis para o semiárido brasileiro, devido as altas médias de irradiação diária. A produção desse tipo de energia pode ser feita de forma centralizada ou distribuída. No modelo centralizado, a geração é das grandes usinas e parques solares, em que a energia vai para o Sistema Nacional e volta para o consumidor através das concessionárias de distribuição. Nesse sistema, há benefício para o meio ambiente, mas não há benefício direto ao consumidor e conflitos socioambientais podem surgir (em virtude da disputa pelo uso da água em áreas de escassez hídrica, por exemplo).
Na produção distribuída, os consumidores são os próprios produtores de energia. Em suas pequenas usinas, com as placas nos telhados das suas casas/comércios, a energia produzida vai para o sistema da concessionária e retorna na forma de créditos referente ao que foi produzido, reduzindo, consequentemente, o valor da conta de energia. Essa modalidade entrou em vigor em 2012, com a Resolução Normativa nº 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O Comitê de Energias Renováveis do Semiárido
O Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA) é um coletivo do qual fazem parte professores, pesquisadores, ativistas socioambientais e ONGs, com a consciência de que o semiárido possui enorme potencial de contribuir com a produção de energia do país. O Comitê possui mais de 40 sistemas fotovoltaicos instalados na Paraíba, tornando-se referência nacional.
A partir de parcerias e a cooperação dos voluntários, essa iniciativa vem impactando positivamente o semiárido paraibano. Uma das ações foi desenvolvida no Assentamento Irapuá I, na zona rural de São José de Piranhas-PB, onde o CERSA instalou placas solares que geram energia para captar a água a mais de 1,4 km de distância das casas. Cerca de 33 famílias são beneficiadas pelo sistema.
Em 2018, o CERSA, em parceria com o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, Misereo (Alemanha) e Caritas Brasileira, auxiliou a primeira escola estadual da Paraíba, Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Dione Diniz Oliveira Dias, em Sousa, a inaugurar um sistema solar fotovoltaico ligado à rede elétrica.
Nesse sistema, 12 placas de 3,2 KWp são capazes de gerar 350 KW hora por mês para a escola. A primeira etapa do projeto iniciou-se em 2016, com palestras de sensibilização para os alunos e a comunidade, tratando da relação entre as mudanças climáticas e os impactos do setor energético. A segunda etapa foi a implementação do sistema. A terceira etapa está sendo trabalhar a gestão e a eficiência energética.
César Nóbrega, um dos fundadores do CERSA, é um ativista ambiental que há 43 anos vem falando sobre os impactos ambientais e efeitos das mudanças climáticas no semiárido.
“Quebramos essa ideia de que energia era só coisa de engenheiro, mostramos que era um tema multidisciplinar e a população poderia debater esse tema como um tema essencial, porque energia não é mercadoria, é um bem da vida […] Não é só energia. Estamos ligados a todo um comprometimento e visão filosófica do bem viver. Não é só mudar matriz energética do ponto de vista tecnológico.”
Walmeran Trindade, Engenheiro Eletricista e Professor Doutor no Instituto Federal da Paraíba, é integrante do CERSA, atuando na parte técnica e envolve seus alunos nos projetos voltados para essa temática, mostrando para eles a importância da vivência prática dos conhecimentos adquiridos na instituição federal.
“O CERSA possibilitou para mim uma oportunidade de exercitar os conhecimentos técnicos que sempre trabalhamos no ambiente acadêmico, no IFPB. No CERSA tive a oportunidade de vivenciar como esses conhecimentos técnicos podem impactar positivamente na melhoria de vida das comunidades urbanas e rurais. Um grande aprendizado que o CERSA tem proporcionado para mim é esse campo da “vida real”, para que a gente possa exercitar a aplicação desses conhecimentos técnicos na área de energias renováveis, em particular na área de energia solar fotovoltaica. O comitê tem sido uma grande escola. Eu consigo mostrar para os meus alunos através de experiências vivas e concretas, o efeito prático das tecnologias que eles estão aprendendo em ambiente acadêmico e de laboratório, como isso pode se dar na prática, na vida real, contribuindo para a melhoria de vida da população.”
Com parcerias nacionais e internacionais, o CERSA se apoia em quatro eixos de ações para a transição energética popular: problematização (debate político), experiências comunitárias, políticas públicas e trabalho e renda. Os integrantes do comitê acreditam e se apoiam na economia solidária, justiça social e possibilidade de convivência com o semiárido, sendo imprescindível em todo o processo a participação popular.
Cooperativa de Compartilhamento de Energia Solar Bem Viver
Dentro do eixo “Trabalho e Renda” está o cooperativismo e a economia solidária. A Cooperativa de Compartilhamento de Energia Solar Bem Viver foi formada a partir do projeto “Cuidando da Nossa Casa Comum”, que se desenvolveu a partir da articulação do CERSA com instituições, prefeituras e sociedade civil.
A usina de energia solar está construída no Centro de Educação Popular e Formação Social, referência local para projetos de convivência com o Semiárido, em Matureia, na Paraíba. A cooperativa apresenta um sistema para recolher água da chuva através de placas solares. São 83 módulos fotovoltaicos de 460Wp que geram 38,2KWp. Os 22 sócios fundadores da cooperativa têm 61 módulos.
Após a instalação e funcionamento das placas fotovoltaicas, a única manutenção a ser realizada com frequência é remover com água a poeira de cima das placas. Como em Maturéia existe escassez hídrica, a cooperativa desenvolveu um sistema de calhas e cisterna para coleta de água com o uso dos módulos fotovoltaicos no telhado.
Gestão Energética Municipal
Uma das ações do CERSA, dentro do eixo de Políticas Públicas é a Gestão Energética Municipal, que é o conjunto de ações voltadas para a redução de custos de energia elétrica nas unidades consumidoras ligadas às prefeituras, contribuindo para melhor eficiência do gasto público dos municípios.
Pautada na eficiência energética, a gestão incorpora três pilares centrais para o combate ao desperdício: pessoas, informação e tecnologia. Por isso, não se trata de ações voltadas apenas para a implementação de placas fotovoltaicas, mas todo um conjunto articulado de ações que visam o combate ao desperdício, envolvendo capacitações e conscientização ambiental para a população local. Como produto desse estudo, surge o Plano Municipal de Gestão de Energia Elétrica (PLAMGE) personalizado para cada município, com várias etapas de implementação.
Inicialmente, a geração de energia elétrica municipal foca nas unidades consumidoras da estrutura administrativa e de serviços municipais, como escolas, postos de saúde, iluminação pública, saneamento e prédios da administração pública. Depois, se volta para os demais segmentos da sociedade, conscientizando e auxiliando a população para instalar em suas casas e em seu comércio.
Como possíveis linhas de financiamento para essa Gestão Energética Municipal, existem o PEE – Programa de Eficiência Energética (ANEEL/Distribuidoras), Eletrobrás PROCEL (Programa de Conservação de Energia Elétrica GEM), BNDES PROESCO, Governos Estadual e Federal e Financiamentos Internacionais.
A transição energética precisa ser justa, solidária e sustentável, considerando as particularidades locais e o desenvolvimento regional. O CERSA tem feito um trabalho multidisciplinar e inclusivo no semiárido paraibano, levando conscientização ambiental para a população e auxiliando na parte técnica, mostrando que quando unimos propósitos comuns, podemos impactar positivamente o meio ambiente e a sociedade. Para acompanhar as próximas ações do comitê, acesse o site e as redes sociais.
Amanda Queiroga, 27 anos, é Engenheira Ambiental, professora, empreendedora sustentável e consultora Lixo Zero pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB). Também atua como consultora em sustentabilidade para PMEs e da palestras sobre esse tema. Acredita que escolhas conscientes podem mudar o mundo, por isso tem como propósito levar a educação ambiental para as pessoas e transformar as empresas de dentro pra fora.
Amanda é uma das jovens selecionadas no programa Impulsio.ne e faz parte da Rede de Jovens Lideranças de Impacto do Nordeste.