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Criatividade, inovação e impacto social, com foco na diversidade: Conheça a Vale do Dendê

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Conversamos com Paulo Rogério, co-fundador da Vale do Dendê, para conhecer mais sobre a trajetória da holding social que fomenta o ecossistema de Salvador, e as perspectivas para o empreendedorismo social no Nordeste.

Segundo pesquisa recente divulgada pelos institutos Data Favela e Locomotiva, os moradores de favelas e comunidades carentes movimentam no Brasil R$ 119,8 bilhões de reais por ano. 

Mesmo com dados tão animadores, a voz que ecoa nas favelas e periferias ainda luta para chamar a atenção de investidores, empresários e iniciativas públicas que poderiam contribuir para o estímulo à criação de negócios inovadores e que proporcionem impacto social. As comunidades carentes, apesar de serem constantemente consideradas como grandes potências de transformação social no Brasil, permanece com um meio cercado de preconceito e falta de pessoas comprometidas em mudar essa realidade.

Paulo Rogério Nunes nasceu na periferia de Salvador e sempre se interessou por assuntos que envolvem diversidade e empreendedorismo social. Formado em Publicidade, é co-fundador do Instituto Mídia Étnica e do Portal Correio Nagô.

Paulo é também um dos nomes por trás da Vale do Dendê, holding social baiana que atua no desenvolvimento do ecossistema de inovação e criatividade em Salvador, com foco na diversidade. O trabalho exercido pela Vale do Dendê é tido atualmente como um dos mais respeitados e importantes para o crescimento dos negócios criativos e de impacto social na região Nordeste.

Hoje no Portal Impacta Nordeste, conversamos com Paulo Rogério para conhecer mais a trajetória da Vale do Dendê, os programas de aceleração criados pela empresa, diversidade e suas perspectivas para o futuro do empreendedorismo social no Nordeste. Confira! 

Como tudo começou

A ideia de criar um negócio de impacto social nasceu a partir da percepção de que a cidade de Salvador ainda não era vista como um potencial cenário para abrigar projetos de inovação, tecnologia e empreendedorismo, pensamento compartilhado entre Paulo e seus colegas: o administrador de empresas e palestrante Hélio Santos, a relações públicas e produtora cultural Ítala Herta, e o jornalista Rosenildo Ferreira. 

Paulo Rogério. Com vasta experiência no estudo sobre mercados multiculturais e inovação social, ele já percorreu 20 países participando de atividades sobre o tema da diversidade. (Foto: divulgação)

Após a fundação da Vale do Dendê, em 2016, as dificuldades e dúvidas sobre o mercado e o potencial criativo da cidade permaneceram. Salvador possui características marcantes ao seu favor, como a valorização da cultura afro e uma boa localização geográfica, elementos importantes para o turismo local. Ainda assim, a cidade era vista como “pequena e limitada”. 

A partir dessa análise, seus fundadores estudaram o funcionamento de outros ecossistemas de inovação de destaque no mundo: as cidades Medellín (Colômbia), Nairóbi (Quênia) e o próprio Vale do Silício (Califórnia) serviram de base para entender que a Vale do Dendê tinha, sim, uma enorme capacidade de criar projetos que pudessem provocar de alguma forma os ecossistemas locais de Salvador, como a música, gastronomia, artes, cinema, games e moda.

“De início, entendemos que toda essa movimentação ajudaria a cidade a se redescobrir e, ao mesmo tempo, tornar-se mais conhecida em território nacional e em outros países.”, afirma Paulo. Dessa análise, surgiu outra provocação: para que o Vale do Dendê chegasse ao seu objetivo, seria preciso trabalhar com algumas vertentes. Foi então que a empresa decidiu criar seu próprio programa de aceleração de negócios. 

Aceleradora Vale do Dendê

A Aceleradora Vale do Dendê foi lançada em 2017 com o apoio da Fundação Itaú Social e Fundação Alphaville, considerada hoje o carro-chefe da empresa.

O programa tem como objetivo ajudar novas empresas e startups inseridas no contexto de inovação e diversidade, principalmente moradores das periferias de Salvador, a desenvolverem seus negócios e soluções tecnológicas com grande impacto socioeconômico por meio de consultoria especial pautada nos conceitos de empreendedorismo, tecnologia e criatividade. Cerca de 90 empresas já foram aceleradas no programa.

Acelerar negócios e formar talentos criativos são os focos da Vale do Dendê (Foto: divulgação)

O Vale do Dendê também dispõe de um espaço hub de aceleração, onde centenas de outras empresas terão acesso à imersões, talks, cursos e demais elementos importantes para o desenvolvimento dos negócios. “Nosso trabalho é fazer com que as empresas consigam enxergar seu potencial no território, sempre focado nas questões de diversidade.”, comenta Paulo.

Outra iniciativa que merece destaque na Vale do Dendê é o Jornada Para Mulheres, evento que estimula e discute o empreendedorismo feminino. A Jornada é indicada para mulheres que pretendem iniciar ou já possuem o próprio negócio, quem está em busca de recolocação profissional e almejam posição de liderança, e também para aquelas que desejam adquirir conhecimento mais aprofundado sobre o universo empreendedor para ajudá-las no desenvolvimento de suas carreiras.

“O impacto social é o que move nosso trabalho.”

A preocupação em dar espaço e voz para as minorias é prioridade na Vale do Dendê. Todos os programas criados pela empresa incluem a participação de jovens moradores de periferia, afrodescendentes, mulheres e outros grupos inseridos em situação de vulnerabilidade. “Entendemos que são pessoas que merecem mais apoio e, ao mesmo tempo, possuem maior potência. O impacto social faz parte do nosso trabalho.”.

Em quase três anos de trabalho intenso, a Vale do Dendê comemora o sucesso de suas empresas aceleradas. Entre elas, a AfroSaúde, plataforma que conecta médicos e médicas afrodescendentes, a EcoCiclo, primeiro absorvente íntimo biodegradável do Brasil, e a Aoca GameLab, empresa de desenvolvimentos de jogos eletrônicos criadora do game Árida, inspirado no sertão da Bahia. 

Hellen Nzinga, Patrícia Zanella, Adriele Menezes e Karla Godoy fundadoras da EcoCiclo (Foto: Arquivo Pessoal)

Novas perspectivas para o empreendedorismo social no Nordeste

Para Paulo, tanto o ecossistema local baiano como na região Nordeste tem crescido nos últimos anos graças ao surgimento de novos atores e grupos engajados no empreendedorismo social. E grande parte desse crescimento deve-se ao trabalho desenvolvido pela Vale do Dendê, servindo como interlocutor entre novos empreendedores e potenciais investidores. 

“Vemos isso com muita alegria e satisfação, pois só comprova que a nossa missão está sendo cumprida também pelos nossos parceiros e por pessoas que se inspiram nosso trabalho. E é assim que estamos conseguindo mudar as coisas, através das conexões e descentralização das ações para que assim a gente consiga impactar toda a cidade de Salvador e região metropolitana, além da região Nordeste”, analisa.

O Nordeste possui os índices econômicos mais desafiadores do Brasil, o que torna a região “complicada” para quem deseja empreender por aqui. Em contrapartida, o Nordeste é vista por especialistas da área como uma grande potência para o empreendedorismo graças às suas belezas naturais e cultura singular. Essas características tornam a região um território potencial para receber certos tipos de negócios, como a indústria criativa.

“Acho que a indústria criativa pode liderar a transformação social no Nordeste, assim como aconteceu em outras regiões pelo mundo, por meio da criatividade e inovação.”

Paulo Rogério, Co-fundador da Vale do Dendê

“Acho que a indústria criativa pode liderar a transformação social no Nordeste, assim como aconteceu em outras regiões pelo mundo, por meio da criatividade e inovação. Grande parte do PIB da Califórnia, por exemplo, é representado pela indústria criativa, como cinema, tecnologia. No Nordeste, além da indústria criativa, o turismo e a indústria solar são investimentos possíveis na região.” 

Quando pensa no futuro do empreendedorismo social no Nordeste, Paulo é otimista. Segundo ele, a região é quem deve comportar o maior número de empresas e iniciativas de impacto social no país, pois as instituições públicas e governos locais estão se mobilizando fortemente para criar mais projetos nas áreas de inovação, criatividade e empreendedorismo.

“Tenho certeza que se os governantes e empresários começarem a se mobilizar, teremos uma cena de impacto social de escala global liderado por mulheres, pessoas moradoras de periferia, pessoas afrodescentes e que podem contribuir bastante para o ecossistema trazendo solução, inovação e muita diversidade para o empreendedorismo nacional. A gente ainda tem muita coisa pra mostrar pro Brasil.”, finaliza.

Conheça algumas inciativas aceleradas

Afrosaude

Afrosaude, startup criada em novembro de 2018 pelo dentista e mestre em saúde da família Arthur Lima, tem o objetivo de dar visibilidade aos profissionais negros da área de saúde, conectando-os a potenciais pacientes. A empresa tem como fio condutor a filosofia do Black Money. A plataforma pode ser escalável para qualquer outra cidade ou país onde a temática da luta contra a discriminação seja um item importante da agenda social. A gestão da tecnologia fica a cargo de uma integrante do coletivo Meninas Digitais.

Aoca Game LAB

Fundada pelo historiador e especialista em game design Filipe Pereira, a Aoca Game Lab é especializada no desenvolvimento de jogos eletronicos. A empresa já possui grande participação na cena nacional de jogos com narrativa que destoa do padrão da indústria mainstream. Seu mais recente trabalho é Árida Backlands Awakening, que narra as aventuras de uma menina pelo sertão. Tem a valorização da diversidade o seu grande diferencial.

Ecociclo

Criada por um grupo de jovens empreendedoras e liderada por Hellen Sousa, pós-graduanda em gestão de projetos, a Ecociclo desenvolve absorventes sustentáveis, sem utilização de compostos danosos ao meio ambiente, após seu descarte: parabenos e derivados de petróleo, por exemplo. A produção é feita por mulheres em situação de vulnerabilidade econômica e social, que dependem de recursos para equilibrar as contas domésticas.