O Dia dos Povos Indígenas remete a luta para garantir respeito a cultura dos povos originários e seus costumes, pela manutenção de seus territórios e por respeito à diversidade. Nesse sentido, diversas comunidades indígenas buscam utilizar o turismo como uma ferramenta de resgate da cultural e geração de renda.
*Foto de capa: Atividade no sítio histórico e ecológico Gamboa do Jaguaribe/RN (Fabio de Oliveira).
A data 19 de abril, que desde 1943 é o dia escolhido para celebrar o Dia do Índio, está em processo de mudança de nomenclatura e passará a se chamar Dia dos Povos Indígenas. O termo já vem sendo evocado pelas lideranças indígenas que entendem que essa é a denominação correta, mais representativa e completa.
A mudança ocorre por meio do Projeto de Lei 5466/2019, de autoria da primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, Joenia Wapichana (REDE/RR). O PL foi encaminhado para redação final da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC ) e depois seguirá para apreciação no Senado.
Trecho do Projeto de Lei 5466/2019:
Essa mudança além de ressignificar essa data também remete a luta dos povos originários para garantir respeito a sua cultura e seus costumes, pela manutenção de seus territórios e por respeito à diversidade das 305 etnias que habitam o extenso território brasileiro. A deputada federal, autora do PL, argumenta a necessidade de ressaltar, de forma simbólica, não o valor do indivíduo estigmatizado “índio”, mas o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira. “O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico”.
E justamente para resistir, ressignificar e desestigmatizar a ideia do povo indígena que muitas comunidades e aldeias vêm abrindo seus espaços e aderindo ao chamado Etnoturismo, prática que concilia o turismo para viajantes que desejam conhecer de perto a vida, os costumes e a cultura de um determinado povo, especialmente povos indígenas.
A atividade, que também envolve a conservação do meio ambiente, vem sendo realizada por muitas comunidades de povos originários e tem se tornado uma importante fonte de renda, mas deve ser estratégica e cuidadosamente planejada para não impactar de forma negativa a vida dos povos visitados.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e informações do site do Ministério do Turismo, “as comunidades indígenas têm autonomia para explorar projetos de turismo em seus territórios, cabendo ao poder público o papel de monitorar e fiscalizar as atividades nas aldeias”. As visitas são agendadas com os próprios representantes das comunidades ou agências de turismo autorizadas por eles.
Se você quer imergir na cultura dos povos indígenas e ter uma experiência que une história, natureza e lazer, separamos algumas opções conduzidas por lideranças de comunidades e aldeias que promovem o etnoturismo no Nordeste brasileiro.
A experiência do Catu dos Eleotérios (RN)
Localizada entre os municípios de Canguaretama e Goianinha, no Rio Grande do Norte, a Comunidade Indígena Catu dos Eleotérios é um espaço de resistência dos povos originários do tronco potiguara, que residem às margens do rio Catu e que se originou, em meados do século XIX, quando três irmãos chamados Eleotérios subiram as margens do Rio Catu, para fugirem do processo de catequização no antigo Aldeamento Gramació (atual Vila Flor). O nome da comunidade Catu dos Eleotérios, está ligado a palavra “Katu” que em tupi significa bom ou agradável e Eleotérios por causa dos irmãos que fundaram a comunidade.
A comunidade conta com a Katu Receptivo, agência de turismo que atua no segmento de turismo pedagógico, turismo de base comunitária e ecoturismo, coordenando uma visita com imersão cultural na Aldeia Catu dos Eleotérios, na qual os participantes podem vivenciar uma experiência de conexão com a natureza, conhecendo o modo de vida dos nativos e observando o cotidiano dos residentes, as atividades do dia a dia, a culinária e a cultura local.
“Nosso trabalho busca a valorização histórico-cultural de nosso povo, além de proporcionar aos visitantes uma experiência singular, capaz de proporcionar um novo olhar referente a uma comunidade tradicional, e através dos roteiros de imersão, mostrar a essência de um povo que existe e resiste para fortalecer esse patrimônio cultural ímpar que se é observado no cotidiano dos autóctones. Além disso, gerar a participação dos residentes no desenvolvimento da atividade turística, integrando-os nos roteiros desenvolvidos na comunidade” afirma a Maria Pimentel, uma das idealizadoras da Katu Receptivo.
Ela junto com Geyson Fernandes, ambos alunos do Curso Superior de Gestão de Turismo do IFRN – Campus Canguaretama e residentes da Comunidade do Catu, desenvolveram a iniciativa com ajuda de alguns professores do instituto que observaram o potencial turístico da comunidade, que está localizada em uma unidade de conservação, a APA Piquiri-Una.
O negócio funciona de forma virtual, através do Instagram e Whatsapp, neles são divulgados os produtos e serviços oferecidos. Entre as atividades propostas na comunidade estão: banho de rio; pintura corporal; o Ritual do Toré, uma dança sagrada realizada em agradecimento aos encantados (seres protetores da mata) e a Tupã; trilha ecológica no Vale do Catu, entre outros.
“As atividades turísticas desenvolvidas pela empresa tem como intenção transformar as atividades do dia a dia dos moradores em produtos turísticos, a partir da valorização cultural de cada uma delas, ou seja, o que para os nativos é algo comum, para os visitantes é algo novo e extraordinário. Cabe ressaltar que utilizamos o turismo de base comunitária e que a organização dos roteiros é elaborada com o intuito de fortalecer a cultura local e gerar a atividade turística por meio de uma prática colaborativa entre os residentes e a equipe do receptivo”, explica.
A Katu Receptivo está participando do SebraeLab de Negócios de Impacto, programa que visa capacitar as empresas para que trabalhem de maneira estratégica, sendo capazes de influenciar positivamente a localidade na qual estão inseridas e de utilizarem estratégias sustentáveis. De acordo com Maria Pimentel, a experiência está sendo muito proveitosa e cheia de aprendizados. “Esperamos nos capacitar para poder levar conhecimento para o projeto trabalhado com a comunidade”, afirma.
Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira (BA)
A Reserva Indígena Pataxó da Jaqueira, situada a apenas 12km do centro de Porto Seguro (BA), é um lugar sagrado para o povo Pataxó, um oásis de 827 hectares de Mata Atlântica preservada, onde vivem 34 famílias ainda mantendo alguns costumes milenares. O projeto de visitação à aldeia se iniciou em 1993, buscando promover o resgate e afirmação da cultura do povo Pataxó e preservação ambiental da região.
Na aldeia, as visitas são programadas pela Pataxó Turismo que oferece a oportunidade para que os visitantes desfrutem um período de convívio em total harmonia com a natureza, participem de várias atividades e conheçam a cultura do cativante povo Pataxó. Despertando no etnoturista uma experiência humana multicultural que se transforme em um grande aprendizado e elo de respeito entre o Povo Pataxó e o chamado homem branco. “Quando o homem branco achou o Brasil, já tinha índio no mundo para contar a história para as pessoas.” (Tururim, ex-cacique da Aldeia Barra Velha – 102 anos)
São duas opções de roteiro: visitas com duração de 3 horas ou vivências com pernoites na aldeia, que incluem degustação ou refeições. Entre as atividades programadas estão: caminhada pela Mata Atlântica, demonstração de tipos de armadilhas usadas para captura de pequenos animais; arremesso de arco e flecha; ritual de confraternização com música e dança; e finalmente a degustação de peixe assado na folha de patioba. Nos passeios com pernoites são incluídos banhos de rio, oficinas de artesanato e luau.
Gamboa do Jaguaribe (RN)
Localizado em Natal, Rio Grande do Norte, o sítio histórico e ecológico Gamboa do Jaguaribe desenvolve atividades de preservação de culturas indígenas e do meio ambiente. Com ocas, trilha, lago e mata reflorestada, a área é aberta para visitação e está incluída na oitava Zona de Proteção Ambiental de Natal, a qual corresponde a 3,1% do território da cidade.
O sítio começou a ser desenvolvido há 15 anos, quando uma plantação de caju foi transformada em uma área de reflorestamento com espécies nativas da mata atlântica. No começo de 2016 teve início a construção das ocas, com intuito de manter viva e acessível aos potiguares a história dos povos nativos da região. O local conta com mais de 70 espécies de árvores, como pau-brasil, gobiraba e mutamba, além de 15 variedades de mamíferos, como guaxinim, raposa e cutia.
A região da Gamboa também era composta por viveiros de camarões inativos, que ao longo dos anos foram dando lugar a um lago e a cinco hectares de mangue, habitat de diversas espécies de peixes e crustáceos.
Diversas atividades são desenvolvidas na Gamboa do Jaguaribe, tais como oficinas de construção de artigos indígenas, como peteca e o instrumento musical de guerra maracá, produzido com madeira e minerais. Também é praticado o estudo do idioma tupi e suas variações, como o tupi-guarani. O local também oferece passeios e atividades como: bioconstruções, trilha guiada na mata, exposição de artefatos e artesanatos, lanche com comidas típicas, banho no lago, roda de peteca, passeio de barco à Ilha do Cajueiro, acampamento, entre outros.
Povo indígena Jenipapo-Kanindé (CE)
O povo indígena Jenipapo-Kanindé habita as margens da Lagoa da Encantada, no município de Aquiraz, bem próximo à Fortaleza, no Ceará. A comunidade iniciou a luta por seu reconhecimento nos anos 1980, na Terra Lagoa Encantada. São conservados costumes através da contação de história, rodas de conversa e a dança do Toré, ritual que reúne seu povo em volta de uma fogueira e a partilha da bebida chamada Mocororó. A comunidade faz parte da Tucum – Rede Cearense de Turismo Comunitário, que é uma articulação formada por grupos de comunidades da zona costeira que realizam o turismo comunitário no Ceará.
O povo Jenipapo-Kanindé iniciou o processo de criação das trilhas ecológicas através do Projeto Trilha do Índio, realizado em 2005, que formou 48 jovens indígenas Jenipapo-Kanindé como guias turísticos com intuito de garantir que a comunidade pudesse ter renda sustentável, valorizando os saberes existentes na aldeia. Desde então, a comunidade criou o Projeto Historiando os Jenipapo-Kanindé e o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé. Atualmente o turismo comunitário dentro da Aldeia Lagoa Encantada conta com sete trilhas nomeadas como: Trilha do Morro do Urubu, Trilha do Marisco, Trilha da Lagoa Encantada, Trilha da Sucurujuba, Trilha do Tapuio, Trilha do Cajueiro Sagrado e Trilha do Riacho.
Outras iniciativas que valem conhecer são: Aldeia Sagi Trabanda, localizada na Praia de Sagi, no litoral sul do Rio Grande do Norte, e o trabalho do guia local potiguara Karim Potiguara, que atua na Baía da Traição, na Paraíba.