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Hidrogênio verde: nova saída para transição energética

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O “hidrogênio verde” desponta como um dos principais substitutivos para os processos condicionados à utilização de combustíveis fósseis.

Em um cenário de mudanças climáticas, a adoção de instrumentos de solução baseada na natureza (NBS) surge como alternativa para viabilizar o processo de descarbonização que define a tônica das metas e compromissos assumidos em torno da agenda ambiental global.

Nesse sentido, diversos setores com relevante intensidade energética têm se mobilizado a fim de transicionar a sua matriz, sobretudo priorizando a utilização de combustíveis e processos mais limpos, sustentáveis e eficientes; contexto que posiciona o “Hidrogênio verde” como um dos principais substitutivos para os processos condicionados à utilização de combustíveis fósseis.

Em termos de mensurar a operacionalização deste recurso, relevante mencionar o hidrogênio enquanto elemento químico mais abundante no universo, compondo 75% da matéria normal por massa e mais de 90% por número de átomo, em que pese não existam fontes elementares naturais relevantes onde ele pode ser encontrado na sua forma isolada. Para obter o selo “verde”, por sua vez, é fundamental que o hidrogênio seja produzido e transportado a partir de fontes renováveis, em um processo no qual não haja a emissão de carbono, ou de outros elementos prejudiciais ao meio ambiente. 

“O desenvolvimento do hidrogênio sustentável contribui para um ecossistema movido a base de energia limpa e renovável.”

O desenvolvimento do hidrogênio, e particularmente do hidrogênio sustentável, portanto, contribui para um ecossistema movido a base de energia limpa e renovável, e posiciona esse elemento como uma nova alternativa para o câmbio energético alinhado às novas exigências que atravessam a agenda ambiental estratégica. Nesse sentido, a Agência Internacional de Energia (AIE) afirma que o uso do “Hidrogênio verde” ajudaria a economizar cerca de 830 milhões de toneladas anuais de CO2, que seriam originados da produção desse gás a partir de combustíveis fósseis.

No cenário nacional, o Brasil possui vantagens na produção do “Hidrogênio verde” por seu potencial abundante de energia eólica e solar, sistema elétrico integrado e de baixo carbono, e sua posição geográfica vantajosa para alcançar a Europa e a Costa Leste Norte-Americana, em termos de comercialização. Além disso, já existe no país uma regulamentação para toda a cadeia do hidrogênio verde, embora ela não tenha sido desenvolvida especificamente para essa indústria, senão vejamos.

Sob a ótica jurídica, a Política Nacional sobre Mudança do Clima – Lei Federal nº 12.187/2009, dispõe no art. 11, parágrafo único, acerca da necessidade de aumentar a participação das fontes renováveis e mitigar a emissão de carbono fóssil na matriz energética. Esse cenário normativo é potencializado pelos compromissos assumidos em torno da descarbonização profunda das economias, a exemplo do Forest Deal, Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU), Green Deal, Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul, Declaração de Kunming etc. Por sua vez, em relação à Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC, o Brasil se compromete a reduzir as suas emissões de Gases Geradores do Efeito Estufa (GEE) em 48% até 2025 e 53% até 2030, além de atingir a neutralidade climática – ou seja, emissões líquidas nulas – em 2050, conforme registrado no âmbito da UNFCCC.

Para tanto, tem-se observado a inclinação da política nacional em termos de impulsionar a economia de baixo carbono, contando com o envolvimento de diversos atores da sociedade. O Conselho Nacional de Política Econômica (CNPE) publicou, em 2021, duas resoluções com implicações positivas para o desenvolvimento do hidrogênio no país. A primeira delas, a Resolução CNPE nº 2 de 2021, orienta a priorização da destinação de recursos de pesquisa, desenvolvimento e inovação regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e pela Agência Nacional de Petróleo Gás Natural e Biocombustível – ANP para o hidrogênio, entre outros temas relacionados ao setor de energia e à transição energética. Já a segunda, a Resolução CNPE nº 6 de 2021, trata de determinação para a proposição de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), com o objetivo de fortalecer o mercado e a indústria do hidrogênio enquanto vetor energético.

Ainda em 2021, o Brasil co-liderou o Diálogo de Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia, apresentando o pacto energético sobre hidrogênio, enquanto compromissos voluntários, que visam acelerar o cumprimento das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS 7), que trata do acesso universal a energias limpas. O pacto energético sobre hidrogênio tem por objetivo fomentar o desenvolvimento da indústria e mercado do hidrogênio no país por meio de consolidação de uma base de conhecimento sobre esse vetor energético, com base em três pilares: i) políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação; ii) capacitação e treinamento; iii) criação de uma plataforma para consolidação e disseminação de informações sobre hidrogênio no país.

Dentre as iniciativas em prol do desenvolvimento da cadeia produtiva do hidrogênio no Brasil, cabe destacar a criação pelo Governo do Estado do Ceará do primeiro HUB de Hidrogênio Verde do país, em 19 de fevereiro de 2021. Essa iniciativa foi seguida por diversos estados, com ênfase na Bahia, estado pioneiro na instalação da primeira fábrica de hidrogênio verde do Brasil, localizada no Polo Industrial de Camaçari, que terá capacidade de produção de 10 mil toneladas/ano de hidrogênio verde e de 60 mil toneladas/ano de amônia verde, voltada para o mercado doméstico, em sua primeira fase, e deve quadruplicar a produção de hidrogênio e amônia verdes, na segunda fase do projeto, prevista para entrar em operação até 2025 .

“A expansão dessa economia desenvolverá outras possibilidades no mercado interno.”

Portanto, o potencial do país para produção de energia solar e eólica está entre os maiores do mundo e, frequentemente, são anunciados novos projetos e memorandos de entendimento para produção de energia eólica e solar, tanto offshore [eólicas instaladas no mar] quanto onshore [no continente] com o objetivo de produção de hidrogênio. A expansão dessa economia desenvolverá outras possibilidades no mercado interno, como, por exemplo, na mobilidade, para geração de energia embarcada em veículos eletrificados; na siderurgia, para redução de emissões na produção do aço; e na produção de energia, para atenuar as intermitências na área das energias renováveis.

Deve-se ressalvar, contudo, que o uso e a aplicação do “Hidrogênio Verde” implicam algumas incertezas, sobretudo quanto aos custos envolvidos nos processos de obtenção do hidrogênio, já que depende de uma outra fonte específica geradora de energia, bem como quanto aos riscos de sua utilização, considerando que se trata de um elemento altamente inflamável, o que requer acondicionamento adequado, fatores que encarecem o seu uso e dificultam a sua economicidade com as tecnologias hoje utilizadas.

Além disso, ainda há muitas lacunas a serem sanadas em relação à quantidade de energia usada na produção de hidrogênio renovável, à disponibilidade de grandes tecnologias de armazenamento ou aos altos custos de transporte. Desse modo, somente uma produção realizada a partir de fontes renováveis, juntamente com uma estrutura regulatória adequada, poderá redefinir a pegada de carbono associada ao hidrogênio e permitir que ele acelere a transição energética.

Nesse sentido, a busca por soluções que facilitem o uso do hidrogênio como fonte energética comum e disseminada provoca uma corrida tecnológica em vários centros de pesquisa no mundo. Isto porque o hidrogênio (H2) tem vantagens como alta densidade energética, versatilidade de uso, ser um combustível sem carbono (carbon-free) e a possibilidade de funcionar como vetor de armazenamento de energia, de modo a balizar o “Hidrogênio verde” ao duplo objetivo: recuperação da economia e aceleração da transição energética em segmentos de mercado de difícil descarbonização.

“A urgência de criar a política nacional e os parâmetros de funcionamento do mercado é importante para dar atratividade ao cenário brasileiro e fazer com que mais empresas se interessem em investir nesse segmento…”

Portanto, a urgência de criar a política nacional e os parâmetros de funcionamento do mercado é importante para dar atratividade ao cenário brasileiro e fazer com que mais empresas se interessem em investir nesse segmento, sobretudo quanto à regulamentação dos critérios para que o hidrogênio possa ser considerado verde e comercializado como tal, bem como a criação de políticas de fomento à demanda e contratos de offtake.

O duplo papel desses instrumentos normativos, que atuam tanto como ferramenta de controle das emissões dos atores do mercado quanto como forma de impulsionar mudanças nos sistemas de produção das empresas, em termos de eficiência energética, encontra sinergia na polivalência do hidrogênio verde, que representa um insumo cuja viabilidade financeira e competitiva pode ser acentuadamente otimizada pelo potencial orgânico do Brasil em fontes de energias renováveis, promovendo o engajamento do país de modo estratégico no mercado mundial associado à bioeconomia.

Ante o exposto, conclui-se que a trajetória do país em direção ao uso do “Hidrogênio verde” como peça-chave na transição energética ganha destaque ao considerar o progresso significativo nas ações e na regulamentação dos últimos anos. Com a criação de hubs, a instalação de fábricas pioneiras e o compromisso público com metas ambiciosas, o país se posiciona para se tornar um importante produtor e exportador desse recurso energético. Nesta esteira, as vantagens naturais, regulatórias e de localização geográfica, aliadas à busca por inovações e eficiência, pavimentam o caminho para o Brasil assumir um papel de inovabilidade e pioneirismo na produção de “Hidrogênio verde”, contribuindo de forma significativa para o alcance das metas e compromissos internacionais e para a viabilização de um futuro mais sustentável.

José Brito é advogado, formado pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Advogado-líder do departamento de Negócios Verdes, ESG e Compliance Ambiental da MoselloLima Advocacia, especialista em Meio Ambiente e Sustentabilidade pela FGV/RIO, membro da Comissão Especial do Agronegócio e da Comissão de Proteção do Meio Ambiente da OAB/BA, membro da LACLIMA – Latin American Climate Lawyers Initiative For Mobilizing Action, a primeira associação de advogados de mudanças climáticas na América Latina.