A crise climática, o debate em torno da transição energética e a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul ganham notoriedade em um cenário global marcado pela necessidade de equilibrar o desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente. Nessa complexa equação, as startups de impacto ambiental emergem como agentes de transformação.
Boa parte da competitividade brasileira ainda está baseada na produção de bens que fazem uso intensivo de recursos naturais, seja na forma de energia e de insumos, seja no seu transporte e descarte. Com o agravamento da crise climática, o cálculo dos impactos negativos sobre o meio ambiente e na sociedade ainda é pouco considerado na cadeia produtiva.
“A agenda de sustentabilidade deixou de ser opcional e passou a ser obrigatória em qualquer organização. Porém, muitas delas não possuem os recursos necessários para inovar na velocidade que o planeta pede – e mesmo aquelas que possuem, geralmente não contam com o conhecimento preciso para isso”, analisa Guilherme Massa, cofundador da Liga Ventures.
Nesse contexto, as startups trazem inovações disruptivas e sustentáveis com a capacidade de desenvolver e implementar soluções ágeis, baseados na tecnologia e nas práticas ESG (sociais, ambientais e de governança). “É importante que as empresas se aliem às startups, que estão utilizando tecnologias avançadas para desenvolver soluções que ajudam a manter o planeta mais limpo e sustentável”, conclui.
O Observatório Sebrae Startups divulgou pela primeira vez o relatório referente às startups de impacto. Ao todo, o país conta com 408 destas empresas, número que tem crescido nos últimos anos. Só em 2023, foram criadas 97 startups no setor, 22 a mais do que no ano anterior.
Os dados mostram que 79% das startups de impacto no Brasil são voltadas para resolver problemas da área ambiental. Cerca de 18,7% delas trabalham com a reciclagem e gestão de resíduos; 18,3% buscam reduzir as emissões de gases de efeito estufa; e 17,5% tratam do uso sustentável dos recursos naturais.
O crescimento pode ser associado a fatores como o aumento da conscientização sobre questões sociais, ambientais e de governança (ESG), a alta da digitalização de setores por conta da pandemia de Covid-19 e o aumento de políticas de apoio a startups e companhias da economia do impacto.
O estudo Inside ESG Tech Report, feito pelo hub de inovação Distrito, é um recorte de como as startups podem ajudar as empresas nessa transformação ESG. Foram mapeadas 740 startups no Brasil que, dentro das categorias de ESG, apresentaram 36% das empresas com soluções para o social, 34,7% com soluções ambientais e 29,1% com soluções de governança.
“Os nossos dados de investimento mostraram que isso tem crescido bastante. Tanto é que dos US$ 991 milhões que a gente tem mapeados, que foram investidos em startups, 90% foi de 2017 para cá, ou seja, dos últimos três anos para cá. Em 2021, já foram US$ 80 milhões, que é aproximadamente 30% do volume do ano passado”, analisa Mark Kenzler Facciolla, analista do Distrito Dataminer.
No mês do Meio Ambiente, destacamos 5 startups e negócios sociais do Nordeste que desempenham um papel importante ao conciliar tecnologia, inovação e soluções, contribuindo para o meio ambiente e na economia de recursos naturais.
Instituto Robótica Sustentável
Você já parou para pensar na quantidade de aparelhos eletrônicos de computação, celulares e seus dispositivos são gerados diariamente no mundo? Já refletiu sobre para onde todos esses aparelhos vão ao serem descartados e, ainda, que tipo de impactos negativos eles podem ocasionar no planeta?
O professor André Cardoso teve essa mesma indagação em 2015 com um projeto de robótica feito na escola pública em que ele lecionava. Ao receber caixas de papelão e peças usadas de computador, ele decidiu transformá-las em novas ideias com a ajuda de alunos. Juntos, eles montavam robôs, brinquedos, videogames, artes e até consertavam eletrônicos com peças sobressalentes, reduzindo custos.
O projeto fez tanto sucesso e por conta da alta demanda, saiu da escola pública em 2022 e passou a ser uma organização sem fins lucrativos. Assim nasceu o Instituto Robótica Sustentável que faz a coleta e separação de resíduos eletrônicos, reutilizando-os em projetos de robótica para a comunidade. Segundo o professor, em 2023 foram recolhidas 15 toneladas de resíduos, 30 empresas beneficiadas e 7 pontos de coletas voluntárias, e só em janeiro de 2024, mais de 1,2 toneladas.
A entidade foca em responsabilidade ambiental, inovação tecnológica e na promoção da educação em ciência e tecnologia para jovens e adultos. “Montamos o Instituto para legalizarmos o trabalho e impulsionarmos nosso impacto, principalmente em comunidades carentes. A maior motivação da iniciativa é a transformação social que os resíduos eletrônicos podem gerar em nossas vidas. Gera receita através da reciclagem e dá oportunidade para quem mais precisa”, comenta André Cardoso.
YBY soluções sustentáveis
O Ceará produz hoje mais de 3,5 milhões de toneladas de lixo e mais de 55% desse montante é descartado de forma irregular, ou seja, vão parar em lixões ou aterros controlados. São números alarmantes. “Os seres humanos fazem parte desse todo e para que a nossa espécie se perpetue precisamos viver de forma a sustentar a nossa sobrevivência aqui”, alerta Rebeca Wermont, especialista em sustentabilidade.
Pensando iniciativas viáveis para resolver esse problema, Rebeca é sócia da startup de impacto ambiental YBY soluções sustentáveis. Ela apresenta soluções criativas e sustentáveis para problemas relacionados ao “lixo” em empresas, condomínios, eventos e cidades, dentre eles: a coleta de resíduos urbanos, elaboração e implementação de projetos de compostagem, logística reversa, economia circular e lixo zero e educação ambiental.
“As nossas soluções fazem com que as pessoas tenham mais consciência na forma de consumir, produzir e encaminhar, para que a gente saia de uma lógica, um pensamento linear e passe a ter um pensamento circular, onde tudo pode ser recuperado, reduzido, reutilizado, reciclado. Isso faz com que a gente amenize o impacto e a exploração ambiental, recuperando o que já existe e tornando isso possível de ser usado novamente.”
A percepção da quantidade de lixo que geramos é uma ótima ferramenta de sensibilização para educação ambiental. Isso porque, quando nossa relação com os resíduos é apenas “da porta para fora”, fica mais difícil a nossa compreensão da importância de se colocar em prática atitudes para prolongar a vida útil dos materiais e dos aterros sanitários.
Por isso, para Rebeca não basta somente a implementação da solução, a aproximação e a educação ambiental é importante para as pessoas que estão gerando resíduo orgânico, estejam engajadas no processo, pois todo mundo contribui.
“É um diferencial nosso essa entrega. Nós fazemos oficinas em parceria com Instituto Povo do Mar (IPOM), uma organização sem fins lucrativos, que busca transformar a vida de diversas crianças e adolescentes por meio da educação, do esporte, da arte e da tecnologia. Pretendemos que as crianças consigam sair do eixo de onde estão inseridas e disseminar ideias por onde elas forem, aprendendo a técnica da compostagem e inspirando outras pessoas a fazerem o mesmo.”
Solos
No Brasil foram coletados 66,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos domiciliares e públicos em 2020, sendo 1,01 kg por habitante ao dia, tendo como estimativa para destino final os aterros sanitários (73,8%), lixões (14,6%) e aterros controlados (11,6%), de acordo com o último levantamento realizado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Esse lixo influencia diretamente na crise climática do planeta.
Para ajudar a transformar o mundo em um lugar mais sustentável, a startup Solos, de desenvolvimento de soluções inteligentes e inovadoras para gestão de resíduos, atua frente às causas ambientais, abordando a sustentabilidade através da logística reversa e economia circular.
Fundada pelas baianas e sócias Saville Alves e Gabriela Tiemy, a dupla foi uma das finalistas da 1° Chamada Impacta Nordeste (2020) e conquistou a participação de rodada de speed dating com investidores. O que começou de forma despretensiosa, acabou mostrando um mundo de novas possibilidades de investimentos para o negócio.
“Essa iniciativa do Impacta Nordeste demonstra a urgência e importância de dar apoio aos pequenos negócios de impacto, e que podem, inclusive, trazer alternativas para lidar com a recuperação econômica pós-pandemia de maneira inclusiva e mais equilibrada”, comenta Saville.
Desde setembro de 2022, a Solos em parceria com a Prefeitura de Fortaleza implantou o Re-ciclo, uma plataforma gratuita de coleta de recicláveis em Fortaleza, conectando catadores a pessoas que querem reciclar.
Tudo é retirado com triciclos elétricos, com baixa pegada de carbono, e direcionado para as associações de catadores parceiras. Até o momento, foram entregues 18 triciclos, 693 toneladas de recicláveis coletados, R$ 663 mil de renda coletada para associações, 26 bairros contemplados e 1.051 usuários participantes.
“O Re-ciclo é uma ideia inovadora que já tem excelentes resultados. O projeto conta com plataforma digital para agendamento, triciclos elétricos e catadores treinados para que possamos contribuir com o meio ambiente e com a geração de renda para as associações de catadores”, afirma o vice-presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova) Victor Macêdo.
O mar está para peixe
A pesca artesanal no Serviluz, bairro periférico de Fortaleza, garante o sustento de mais de 100 famílias e mantém viva a tradição que agrega caráter e identidade à comunidade. No entanto, a falta de estrutura adequada para a realização das atividades torna o cotidiano pesado e a falta de equipamentos para armazenagem e beneficiamento do pescado prejudica o poder de negociação dos pescadores.
Diante desse cenário, Anailton Fernandes, fundador do Instituto Metamorfose e a LAURB – Instituto de Urbanismo Ecossistêmico desenvolveram o projeto “O mar está para peixe” que coordena soluções em comunicação, participação social, gastronomia, urbanismo, arquitetura e oceanografia com o objetivo de fortalecer a cadeia da pesca artesanal, promovendo a sustentabilidade e o empreendedorismo local.
“O projeto busca ser um espaço de apoio das atividades da pesca, elencando as principais necessidades e planejando, ao longo de uma visão de futuro, melhores infraestruturas e difusão dos saberes tradicionais. O trabalho se concretiza nos seguintes produtos: cartilha ‘A qualidade do pescado do Serviluz’, embalagem e rótulo de pescados, curso de aperfeiçoamento da Despesca e qualificação de uma pesqueira no território.”
O primeiro produto social do projeto é a bolsa/mochila arrastão, confeccionada manualmente e utilizando materiais provenientes do cotidiano da pesca, como redes e boias, a peça carrega funcionalidade, resiliência e tradição.
Sustainable Development & Water for All (SDW)
A água é um recurso natural abundante no planeta, essencial para a existência e sobrevivência das diferentes formas de vida. Para Leticia Nunes (CE) e Anna Luisa Beserra (BA), duas mulheres jovens e nordestinas, a água impulsiona a trabalhar para empoderar as comunidades rurais, para fortalecer a agricultura familiar e para impulsionar o desenvolvimento local.
O propósito é claro: trazer impacto real para as comunidades. Elas criaram a startup Sustainable Development & Water for All (SDW) focada em democratizar o acesso à água potável e ao saneamento básico, conta com a tecnologia low-code SAP Build para realizar pesquisas nas comunidades carentes, agregando inteligência artificial no tratamento, análise e gestão, além do armazenamento seguro de dados.
Juntas, elas trabalharam arduamente para desenvolver e aperfeiçoar o Aqualuz, uma tecnologia que utiliza a luz do sol para tratar a água e garantir a independência de acesso para as pessoas mais carentes.
Já com mais de 25 mil pessoas impactadas, a SDW atua em 15 estados brasileiros, principalmente em regiões semiáridas do Nordeste. A startup soma mais de 2 mil produtos entregues, 40 milhões de litros de água tratada, 6 milhões de litros de água salgada, 70 comunidades impactadas e 76% de diminuição de doenças por conta da qualidade da água nas comunidades atendidas.
“O Aqualuz é uma tecnologia voltada para o tratamento microbiológico. Um produto simples, com uma alta durabilidade, a maior do mercado inclusive, de 20 anos, e requer um processo de uso um pouco mais interativo. A lógica é semelhante a da geração fotovoltaica de energia e nosso foco no semiárido se dá por essa questão de o sol ser bem mais forte”, conclui Anna.
Sara Café, é graduada em Comunicação Social/Jornalismo, especialista em assessoria de comunicação e formação em fotografia. Atua na área de inovação e impacto social através de trabalhos de jornalismo, redação e produção de conteúdo, mídias sociais, assessoria de imprensa e coberturas fotográficas. Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação no Laboratório de Inovação do SUS no Ceará (2021) e do Observatório de Educação Permanente em Saúde (2022), projetos da Escola de Saúde Pública do Ceará. Produz entrevistas e matérias jornalísticas especializadas para o hub de negócios TrendsCE. Voluntária e Diretora de Comunicação do Instituto Verdeluz (gestão 2019 a 2022) e membra da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência), da Rede Narrativas e integrante da Rede Linguagem Simples Brasil.
Sara faz parte da Rede Impacta Nordeste.