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O sertão nordestino nos games: conheça a Aoca Game Lab

6 mins de leitura

Em mais um capítulo da nossa série especial com as empresas vencedoras da Aceleração de Negócios de Economia Criativa da Vale do Dendê, programa que fomenta novas empresas e startups inseridas no contexto de inovação e diversidade, hoje vamos conhecer a Aoca Game Lab, empresa baiana especializada no desenvolvimento de games. Confira!


Celebrar as cores e paisagens características do Nordeste através de jogos online: essa é a frase que melhor sintetiza o trabalho da Aoca Game Lab, empresa baiana especializada no desenvolvimento de jogos online. 

Fundada em 2016 em Salvador, Bahia, pelo designer de jogos Filipe Pereira, de 34 anos, a Aoca Game Lab nasceu após a participação de Filipe no grupo de pesquisa Comunidades Virtuais da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) entre 2009 e 2016, onde atuou no desenvolvimento de jogos sem fins comerciais. “Após sair do grupo, mantive a vontade de continuar na área, mas com meu próprio negócio. Queria trazer a minha visão para a indústria dos games através de jogos que, mesmo com forte identidade local, possuísse qualidade e apelo internacional.”, afirma Filipe. 

A Aoca Game Lab é um negócio da economia criativa que investe na diversidade em seus produtos para causar impacto social. “Investir em outras narrativas podem atrair novos criadores e consumidores, chacoalhando um pouco os padrões desse mercado que por vezes vive da repetição de fórmulas. Acreditamos que, para além das questões políticas que a envolvem, a diversidade é um diferencial competitivo que pode ser revigorante para o próprio negócio do entretenimento.”, afirma.

“A diversidade é um diferencial competitivo que pode ser revigorante para o próprio negócio do entretenimento.” 

A empresa possui em seu portfólio jogos com elementos característicos da região Nordeste, em especial, o sertão. O game ÁRIDA, por exemplo, conta a história de Cícera, uma garota que vive uma jornada de descobertas e aventuras no sertão brasileiro no século XIX. 

Um game com temática tão específica como é o ÁRIDA, aparentemente, só iria fazer sentido e sucesso entre os habitantes da região Nordeste. Felizmente, a resposta do público sobre o game tem sido satisfatória, tanto no Brasil quanto no exterior.

nordestinos ou por quem possui alguma relação com a região, a identificação atinge um outro nível, muitas vezes conectada com sua memória afetiva. Recebemos muitos feedbacks de pessoas que se emocionam lembrando de suas origens, de parentes e de suas histórias. Fora do país a conexão acontece pelo fato do jogo soar autêntico, mesmo que contenha elementos visuais semelhantes a outros contextos, como desertos de outros países, por exemplo.”.

Desafios 

Uma das maiores dificuldade para criar o game ÁRIDA foi a parte técnica. Tanto Filipe como parte da equipe, hoje formada por sete pessoas, tinham apenas uma experiência prévia no setor de desenvolvimento de games, enquanto outros estavam criando seu primeiro jogo na vida. Além da parte técnica, o ingresso no mundo dos negócios também era algo totalmente novo para o time Aoca, pois o ÁRIDA foi o primeiro produto a ser comercializado pela empresa, ainda de caráter experimental e com conteúdo extremamente regional.

Equipe da Aoca Game Lab (Foto: Arquivo pessoal)

“Foi e ainda é difícil produzir os jogos, a sua comunicação e as estratégias de mercado de tal maneira que esses elementos se comuniquem com o público nacional e internacional de forma eficaz. A internacionalização da nossa cultura através dos jogos é realmente um grande desafio.”

Para construir a Aoca Game Lab, Filipe e seu time foram atrás de referências no mercado. Empresas como That Game Company, Supergiant, Rogue Snail, Behold Aquiris são alguns exemplos. “Também admiramos e nos inspiramos em outras empresas do mercado nacional que estão trilhando um caminho parecido com o nosso, como a Sue the Real e a Game & Arte, que também desenvolvem jogos com foco no impacto social.”

Intolerância: o principal adversário da comunidade gamer

Se reunir com outras pessoas de qualquer lugar do mundo para jogar online durante algumas horas é uma verdadeira febre entre os apaixonados por jogos digitais. Com a internet, a comunidade gamer se fortaleceu, e hoje, é uma fatia de mercado importante para a indústria do entretenimento.

Nos streamings, canais de Youtube e fóruns especializados em games, infelizmente ainda é comum ver comentários ofensivos entre a própria comunidade: protegidos pelo anonimato, usuários expõem opiniões racistas, assédio, além de ameaças verbal e física são constantes.

“Infelizmente, não é novidade o quanto a comunidade gamer tem a capacidade de ser tóxica. Nos últimos anos, muitos desses atos estão sendo expostos, questionados e debatidos não só entre os jogadores, mas também por quem cria.”.

O respeito a diversidade é reforçado entre o time Aoca Game Lab. Segundo Filipe, questões raciais e de gênero são naturalmente inseridas no dia a dia da empresa. O discurso também se estende ao processo criativo dos games. “Nós alinhamos nossas visões e valores com os detalhes das experiências que produzimos, desde a forma como a gente se comunica dentro da comunidade, até nos detalhes na construção dos personagens, diálogos, referências visuais ou nos desafios que são apresentados a quem joga.”.

“Acreditamos profundamente que o game design pode ser um ato político de grande impacto.”

Com a pandemia do coronavírus e o isolamento social, o entretenimento surgiu como um escape poderoso nesse período. Segundo estudo realizado pela Newzoo, empresa especializada em compilação de dados, a expectativa é que o mercado de games obtenha lucro estimado de US$ 159,1 bilhões (R$ 851 bilhões) até o final de 2020. Esse aumento no consumo de games digitais também foi sentido pela Aoca. Com o aumento no número de acessos, a empresa reforçou sua presença nas redes sociais e estreitar a comunicação com os usuários. Já o planejamento estratégico definido para 2020 não sofreu maiores alterações, de acordo com Filipe, com exceção da participação da empresa em eventos nacionais e internacionais, que vão acontecer de forma online.

Vale do Dendê

A participação da Aoca Game Lab no Programa de Aceleração da Vale do Dendê foi, segundo Filipe, “um ponto de virada”. Devido ao Programa não ser focado no mercado de jogos, houve um receio por parte da equipe em investir. No entanto, a diversidade de empresas participando foi o que fez a diferença para Filipe.

“A riqueza do programa planejado pela Vale do Dendê permitiu facilitar os diálogos entre áreas distintas, com pessoas que possivelmente não iríamos cruzar no fluxo natural do nosso mercado. Havia uma semelhança de propósitos, mesmo que os produtos de cada negócio fossem muito diferentes entre si. Também nos permitiu revisar muita coisa técnica e burocrática da empresa, além de nos ajudar a lidar com questões emocionais e pessoais dentro dos negócios.”

A Aoca Game Lab está inserida no contexto de economia criativa. No Nordeste, esse mercado pode se relacionar diretamente com os negócios de impacto, e assim, fortalecer a transformação social que a região precisa. “Negócios que utilizam a criatividade e a inovação como combustível são naturalmente agentes de mudança, quase sempre capazes de gerar alto impacto social, pois, em geral, promovem intervenções que mobilizam ações com responsabilidade social.”, afirma Filipe.

Próxima fase da Aoca Game Lab

Segundo pesquisa divulgada pela Superdata, em 2019, a indústria de games movimentou mais de US$ 120 bilhões. No Brasil, a expectativa é de que o mercado de games cresça 5,3% até 2022. “Essa movimentação de consumo no Brasil ainda é pequena se considerarmos a dimensão e o potencial econômico do país, e até por isso muitas das empresas nacionais possuem mais faturamento fora do que aqui.”, reflete Filipe.

Bastidores do processo de criação do jogo Árida (fonte: Aoca Game Lab / Youtube).

Para o futuro, Filipe reforça o desejo de firmar a Aoca Game Lab no mercado e encontrar o caminho para tornar o negócio sustentável, estimular o consumo nacional através de games onde os usuários possam se identificar mais diretamente, além de ampliar seu processo de internacionalização.

“Apesar da força internacional da indústria da economia criativa, no Brasil, os negócios desse setor ainda são pouco compreendidos. Oportunidades como essa são fundamentais para construirmos uma nova visão, permitindo que os jogos e outros segmentos da economia criativa possam assumir um posto estratégico nos rumos da economia da região Nordeste.”, finaliza.

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